Esse ano foi o que mais treinei a escrita. E, beleza, me tornei um escritor melhor do que era há um ano. Bom ou não, não sei; mas melhor.
As horas extras de prática me fizeram colocar à prova dicas que eu já tinha ouvido, mas ainda não tinha internalizado. Sabe quando você ouve alguma coisa e acha que entendeu? Acha que aquela informação já foi o suficiente? Mas na verdade você não percebeu toda a profundidade?
Pois então, o problema é que a ficha pode demorar a cair. É sempre mais fácil enxergar os problemas em um texto escrito por outra pessoa. Quando estamos imersos na escrita, nos atendo mais à construção das frases do que à percepção delas, fica mesmo difícil. (Daí a importância de editar e revisar…)
Por exemplo, tem a dica clássica de “maneirar nos advérbios”, e isso era algo que até então eu achava que fazia. Só achava. E é por ela que começo…
1. Maneirar (e muito) nos Advérbios!
Falamos sobre isso no artigo “Elements of Style: As 8 Regras mais Úteis Para Quem Escreve em Português” e “Como Melhorar suas Descrições”.
A dica geral é: prefira nomes e verbos a adjetivos e advérbios. Isso porque adjetivos e advérbios tendem a enfraquecer a frase, e isso acontece por dois motivos:
1. Eles podem dar uma noção vaga demais.
2. Eles podem dificultar a leitura e/ou quebrar o ritmo da narrativa.
Às vezes acontece os dois.
E embora isso também valha para os adjetivos, foram os advérbios que me fizeram perceber a gravidade do problema. Comecei a reler uns textos meus e a ler os de outros escritores iniciantes, e percebi que esse excesso de advérbios era recorrente.
Um exemplo simples:
O copo estava completamente cheio.
A pergunta que fica é: esse completamente é mesmo necessário? Eu entendo que ele tá ali para enfatizar que não cabe mais nada no copo. Mas e se o advérbio não estivesse ali? O que você entenderia da frase?
O copo estava cheio.
É bem provável que a sua percepção seja a mesma. Se não houver nada antes ou depois que diga que esse cheio não significa completamente cheio, você imagina o completamente. Faz sentido?
Foi mais ou menos em um exemplo como esse que a minha ficha caiu. E aí, relendo e relendo meus textos, percebi quantos usos desnecessários de advérbios eu fazia. Tá certo que meus primeiros rascunhos ainda carregam vários, só que agora são umas das primeiras coisas a serem cortadas na edição.
Certamente é um que eu usava com bastante frequência. E na maioria das vezes, ele tá lá só pra preencher espaço.
Agilmente é um que eu usava em cenas de ação, mas percebi que o gesto vai parecer mais ágil se a frase for mais ágil… colocar uma palavra dessas, grande e pouco significativa, atrapalha mais do que ajuda (mais sobre isso daqui a pouco).
Geralmente, frequentemente e comumente são vagos demais e quebram a assertividade. Geralmente é melhor evitá-los… :P
Tem também os advérbios usados na introdução de diálogos, “Fulano disse secamente”. É sempre melhor você mostrar esses advérbios dentro do curso da narrativa, como nas palavras que o Fulano usou, na expressão ou no gesto que ele fez. Ainda assim, eu não me incomodaria se aparecesse um perdido no diálogo, desde que fosse um diálogo longo. Não dá para abusar…
Os advérbios curtos, sem “-mente”, são mais toleráveis. Muito, mais, só, apenas… Se não dominarem a frase, não chegam a quebrar o ritmo.
Enfim, tem outros casos, mas esses foram os que mais me marcaram.
2. Ter Consciência do Ritmo das Frases
Isso significa saber usar a pontuação para ditar o ritmo de leitura. Se colocar pontos demais, você diminui a velocidade; mas se fizer frases muito longas, pode dificultar o entendimento.
No entanto, isso não significa que não deve haver uma sequência de frases curtas ou que você deve evitar as longas. Depende da situação.
Como regra geral, se você querer que a cena imprima rapidez, frases longas são melhores. Várias ações acontecendo em paralelo ou ações ágeis demandam menos pausas. Falamos um pouco sobre isso em “4 Maneiras de Escrever Cenas de Ação Melhores”.
Mas tome cuidado:
1. Isso não é carta branca para ignorar a vírgula.
2. Tem palavras que retardam a velocidade de leitura. São aqueles enfeites que estendem a frase, mas dizem pouco; servem apenas para deixá-las confusas ou prolixas. Os advérbios entram aqui, mas não são os únicos (mais adiante).
Por outro lado, frases curtas são interessantes quando você quer dar uma sensação de pausa ou lentidão. Também para criar suspense, logo antes do momento de tensão chegar ao máximo ou deixar um cliffhanger. Ou até se você quiser jogar umas ideias soltas e deixar que o leitor as relacione.
Mas enfim, é difícil dizer que cada situação precisa de um determinado comprimento de frase e ponto final. Podem ter cenas de ação que funcionem bem com frases curtas; e muitos momentos de suspense ficam melhores com frases longas…
O melhor é você ganhar essa consciência do que quer imprimir nas cenas e escrevê-las de acordo. A revisão é uma excelente hora para refletir sobre isso.
3. Ter uma Linguagem Simples e Assertiva
A prosa fica forte com menos enfeite e mais solidez.
Mas vou explorar as duas partes dessa lição com calma.
Quanto à simplicidade
Primeiro, aquele tom poético na prosa é um tanto controverso. Se bem feito, chama a atenção; adoro ler romance e fantasia assim. Porém, como o Thiago disse aqui, é difícil fazê-lo bem.
Mas não é só a tentativa de soar poético que afeta a simplicidade. Muitas pessoas quando vão escrever tentam imprimir uma linguagem rebuscada, procurando um ar “literário”, erudito.
E nessa busca é fácil perder a objetividade e se tornar prolixo.
Transformar uma frase que podia ser dita com cinco palavras em uma que foi dita por vinte não é uma vantagem. É provável que você só entedie o leitor.
Isso acontece muito em textos acadêmicos… Como se tratar de um assunto complexo fosse desculpa para usar frases complexas.
E uma frase complexa não é só aquela com palavras rebuscadas, você pode usar um monte de palavras simples e complicar o entendimento mesmo assim.
Aquele que manipula ligas metálicas com extrema habilidade geralmente possui um sentido mais apurado para se certificar quando uma arma utilizada para corte começa a se deteriorar; isso sem precisar manuseá-la, bastando apenas analisá-la com os olhos, mesmo se ela estiver distante.
Ferreiros identificam uma lâmina sem fio à distância.
Quanto à assertividade
Muitas vezes não temos muita certeza do que queremos dizer ou sabemos que nossa afirmação não vale para todos os casos. E daí tendemos a deixar a frase incerta, deixando margem para interpretação.
Mas isso dificulta a construção de confiança na narrativa. Você é os olhos e ouvidos do leitor, e se quiser que ele fique imerso no seu mundo, precisa entregar algo sólido.
Frases assertivas é o que dá consistência às ideias.
Isso vale quando você fornece descrições. Dizer que “o barro era meio vermelho” soa estranho. É melhor ser incisivo e dizer que o barro era vermelho e deixar que o leitor imagine o tom certo. Ou talvez usar uma comparação, como “o barro tinha cor de canela.”
Porém, há exceções. Se o narrador for uma personagem, essa descrição incerta pode ser proposital, para enfatizar a voz dela. Mas se for fazer, faça consciente.
Dito isso, tem duas expressões que eu usava muito e tive que passar a me policiar. Elas por si só não são ruins, mas têm situações certas para serem usadas. E eu abusava.
1. O verbo parecer.
Quando a narrativa está presa a um ponto de vista, acho que temos uma tendência a querer enfatizar que aquilo é de acordo com a visão da personagem. E o verbo parecer acaba aparecendo demais.
Ele parecia chorar em silêncio.
Colocar um parecia ali leva o leitor a se questionar se o sujeito estava ou não chorando. Se ele não estava chorando, apenas parecia, tudo bem. Mas se ele estava, por que colocar o parecia? Mesmo que a personagem que serve de ponto de vista não tenha certeza, não seria melhor e mais impactante escrever “ele chorava em silêncio”?
2. A expressão como se.
Essa daqui é uma irmã do parecer.
Ela estava com a voz molhada, como se tivesse chorado.
E vale o mesmo raciocínio. Ela tinha chorado ou não? Se tinha, não vale mais a pena ser assertivo?
4. Não Subestimar a Inteligência do Leitor
Eu sinto que, dessas lições, essa é a que mais marcou a minha maturidade e a que eu mais luto para continuar desenvolvendo.
Também já vi comentários por aí de escritores iniciantes que escrevem para jovens adultos, mas que soam como se escrevessem infanto-juvenil. Isso mesmo quando o tema abordado é mais maduro.
A diferença é justamente a maneira que o leitor é tratado. Repetir informação demais ou esclarecer algo que podia ser deduzido é o que eu digo com subestimar a inteligência.
É também o que alguns críticos dizem com “querer pegar na mão do leitor”.
Um exemplo simples:
— Olha, eu sei que eu pisei na bola, mas isso não vai mais acontecer — disse Fulano tentando se desculpar.
A pergunta é: por que o “tentando se desculpar” está ali? Não foi isso o que acabou de acontecer? Por que sinalizar para o leitor? Será que a fala do Fulano não ficou clara?
Ainda assim, várias vezes isso é difícil de perceber. Na verdade, é um tema que merece um artigo próprio…
Mas seja como for, é sempre bom pedir a opinião de leitores beta.
5. Expor-se a Críticas
Já falamos sobre isso em vários artigos, principalmente em “Os Benefícios de um Grupo de Escrita” e “Como Dar e Receber Críticas”.
E a maior vantagem de se expor a críticas é justamente permitir que outros enxerguem aqueles erros que você não está conseguindo.
Eu só comecei a internalizar as outras lições que citei aqui quando passei a expor os meus textos e pedir por uma opinião.
Nesse quesito, ter um grupo de escrita funciona ainda melhor, porque todos ali estão praticando assim como você. Isso deixa todos mais atentos para problemas de estilo. E muitas vezes vocês cometem os mesmos erros, então percebendo os deles, você acaba corrigindo os seus…
Conclusão
A maioria dessas lições pode ser resumida dizendo que “menos é mais”. Essa é, inclusive, a principal mensagem do Elements of Style: faça cada palavra contar.
Uma boa prática de edição é se perguntar a razão de cada palavra estar naquela frase e se não há uma maneira de reescrevê-la mais simples e curta. Daí a ideia de cortar 10% do que foi escrito durante a revisão.
E o que você aprendeu em 2017?