Esse daqui é o quarto artigo da série sobre recursos narrativos. E vamos só com cliffhanger dessa vez, que ele já rendeu um artigo bem grandinho…
Recursos Narrativos: Foreshadowing, Red Herring e Flashback/Flashforward
Recursos Narrativos: MacGuffin, Deus Ex Machina e Chekhov’s Gun
Recursos Narrativos: Save The Cat, Pet The Dog e Lampshading
Cliffhanger
O protagonista está pendurado no penhasco, sozinho. Quando tenta se erguer, um de seus braços fraqueja e escorrega. Ele firma o aperto com a outra mão, mas não consegue se puxar de volta. Seus dedos começam a escorregar. Ele grita por ajuda, mas ninguém responde.
Esse é um cliffhanger literal. Mas tenho certeza que você conhece o recurso; é aquele fim de capítulo que te deixa com o coração na mão, ansioso para saber o que vai acontecer em seguida.
Ele é extensivamente usado em séries, novelas e “thrillers de aeroporto” — à la Dan Brown, sabe?
E, falando assim, parece um elemento imprescindível para sua história, certo? Você quer que o leitor continue virando as páginas ou não?
Bem, vamos com calma. Não é todo gênero que precisa ter um cliffhanger amarrado em outro. Não me lembro, por exemplo, de ter lido uma fantasia capa e espada que tenha imprimido tanta urgência assim na maioria das páginas. Como já dissemos em outros artigos, é interessante ter momentos de baixa tensão para contrastar com os de alta (o que não significa monotonia).
Mas se você estiver escrevendo um suspense curto, suprimir as baixas e manter o leitor vidrado pode ser tão interessante quanto.
A dica mais importante sempre será conhecer melhor o que você está escrevendo e o que o leitor vai esperar de seu livro.
Dito isso, um cliffhanger espontâneo é sempre uma alternativa válida. Principalmente se você estiver na sequência final de um arco e quer que a tensão continue subindo…
Ótimo! Mas, se for usá-lo, estude-o com carinho. Se feito certo, pode sim fazer o seu leitor ficar acordado até mais tarde. Mas se feito errado, pode afastar até o mais fiel deles…
Há duas coisas que podem estragar um cliffhanger: não ter sido bem apresentado e não ter tido uma entrega satisfatória.
1. Montando o Cliffhanger
Às vezes temos uma boa entrega para vir logo no capítulo seguinte, mas não criamos o suspense necessário. Uma coisa é surpreender o leitor com a essência da resposta, outra é surpreendê-lo com o momento da entrega.
Um cliffhanger anuncia que uma resposta está por vir e deixa o leitor ansioso por ela. Não importa se é uma resposta já aguardada há três livros ou há uma página. Não importa se é uma grande revelação ou só o resultado do último conflito. O que importa é o que leitor está ansioso para saber.
Por outro lado, se você fizer uma entrega excelente, mas o leitor não se importar com ela naquele momento, o potencial da sua história é contido. Você perde uma chance de cativar o leitor e de, quem sabe, torná-lo seu fã.
Pois bem, um cliffhanger é uma das maneiras de garantir que ele estará interessado no que vier. Só que para montá-lo, não basta apenas pensar em uma cena, colocar a tensão lá em cima e interrompê-la na metade.
Mais do que uma interrupção, o cliffhanger é uma reviravolta abrupta e inesperada.
Pense nessa situação: o protagonista está amarrado e indefeso, e o vilão passa páginas e páginas brincando com ele. Aí a cena é interrompida logo antes da revelação de que o protagonista vai conseguir escapar. Preste atenção: antes dele escapar. Nessa cena não houve muitas mudanças, não é?
O leitor até pode está querendo saber o que vai acontecer, mas esse desejo já foi arrastado por páginas e páginas; agora ele pode muito bem colocar o livro de lado e deixar pra descobrir mais tarde. Durante esse tempo, que o vilão continue brincando com o protagonista…
Porém, antes do capítulo terminar pode haver uma mudança brusca na cena. Talvez o vilão finalmente tenha se cansado e vai executar o protagonista ou a cena termina logo depois da revelação de que ele se soltou. Seja como for, é essa mudança que faz o leitor se perguntar “e agora?”, e é essa pergunta que vai levá-lo até o próximo capítulo.
As alternativas sugeridas até criam uma mudança rápida antes da interrupção, mas não podemos dizer que elas sejam tão inesperadas assim. Então, para agitar mais as coisas, insira a aparição daquela personagem que todos achavam que estivesse morta…
Só que nem todo cliffhanger precisa fazer alusão é algo grandioso pra trama principal. Pequenas surpresas podem funcionar tão bem quanto as grandes. O protagonista podia estar em casa e a personagem que apareceu não precisava estar morta, talvez todos achassem que ela somente estivesse a milhares de quilômetros dali. Mas então ela bate à porta.
Irei repetir aqui: um bom cliffhanger é uma mudança brusca e inesperada. E pode ser montado em cima de:
- Uma ação: “Lian abriu os dedos e assistiu à flecha atravessar o peito de Tom.”
- Um resultado (geralmente a falha de uma ação): “Ela saltou e esticou os braços, mas a corda lhe escapou entre os dedos.”
- Uma informação percebida: “As luzes apagaram e tudo o que ele ouvia era a própria respiração. Deixou a solidão se instalar e encontrou a calma. Mas o silêncio não durou muito. Havia mais alguém no quarto.”
- Uma informação descoberta: “Eu estou grávida, pai.”
- Uma decisão: “Estava decidido: ele partiria amanhã mesmo.”
2. Entregando a Promessa
Tenha em mente que o cliffhanger é uma promessa, e uma promessa grande e rápida. Se você não souber manejá-la, irá deixar seu leitor insatisfeito. Caso você abuse do recurso, pode perdê-lo para sempre.
Se você termina o capítulo anunciando um barulho na mata, é frustrante começar o próximo dizendo que foi só um pássaro. Não que você não possa subverter essa tensão, mas uma coisa é fazê-la durante a cena, outra é transformá-la num cliffhanger.
Tão ruim quanto é deixar o leitor se perguntando se perdeu algo. Você faz uma promessa grande e entrega metade, aí as personagens continuam como se aquilo fosse tudo o que elas estavam esperando.
É como se terminasse o capítulo anunciando um acidente de carro enquanto um meteoro tá caindo. Daí o próximo começa com a resolução do acidente de carro e nem uma menção é feita ao meteoro. Tudo bem, eu até entendo que você queira guardá-lo para depois, mas se você o mencionou para aumentar o suspense no fim do último capítulo, entregue algo.
Terminar o livro com um cliffhanger pode ser ainda mais grave. Certo, isso pode mesmo incentivar o leitor a continuar acompanhando a série; há, inclusive, várias que fazem um excelente uso disso, mas outras nem tanto…
“As Crônicas de Gelo e Fogo” fazem isso muito bem, em especial A Tormenta de Espadas.
A eleição de Jon Snow, a fuga de Tyrion, a morte de Lysa e a aparição da Senhora Coração de Pedra… apenas para citar alguns. Mas ao mesmo tempo que eles abrem novas possibilidades para os próximos volumes, eles também resolvem os principais conflitos: Jon não é punido pelo tempo com os selvagens; Tyrion não vai ser executado pela morte de Joffrey e Mindinho mostra, em cena, suas intenções.
Por outro lado, “The 100” já abusou um pouco do recurso — para o meu estilo, ele abusou um tanto demais. Achei o primeiro volume esticado, acontece pouca coisa e menos ainda é revelado, parece que todos os núcleos estão enrolando, esperando que aquele final aconteça. O cliffhanger acabou soando forçado, como se fosse uma tentativa da Kass de dizer “viu, tem algo muito maior por trás de tudo isso; eu sei que eu só te enrolei essas 200 páginas, mas vai lá, compra o segundo livro que eu vou compensar”. Até pode ser, mas eu ainda não dei essa chance para ela.
(Não cheguei a assistir à série, mas ouvi dizer que o cliffhanger do primeiro livro é o cliffhanger do primeiro episódio… aí já temos uma diferença gigante ^^)
Então se for usá-lo no fim de um livro, respeite o tempo que o leitor investiu. O fim pode sim abrir novas perguntas, só o suficiente para despertar a curiosidade. Mas não se esqueça de responder boa parte das antigas e amarrar as pontas soltas. O leitor precisa terminar se sentindo satisfeito com o que descobriu, mesmo que ainda haja muito mais para ser descoberto.
Uma dica é enfatizar as perguntas que serão respondidas naquele volume e pincelar as que virão em seguida. Assim o leitor fica satisfeito com a entrega das suas promessas mais insistentes, mas ciente de que há algo maior por vir.
Vou aproveitar a deixa para enfatizar que é interessante fazer isso com ou sem cliffhanger no final.
Pense em Harry Potter. Cada livro tem um tema principal que é bem desenvolvido e bem amarrado, sem tirar o espaço da trama principal. Em “A Câmara Secreta”, você sabe que tem todo o lance do Voldemort para ser resolvido, mas o assunto principal ali é a câmara. As perguntas que atormentam as personagem a maior parte do tempo são relacionadas à câmara. E é da câmara que vem a maior entrega do livro.