Esse artigo é a continuação de “As Barreiras que Retêm Sua Criatividade”. Então se você ficar um pouco perdido, aconselho voltar lá.
Eu tinha escrito que, durante um processo criativo, nossa mente fica testando diversas combinações dentro de um espaço com recursos limitados. Assim, pessoas criativas atuam em duas frentes:
- Conseguem enxergar mais combinações em um espaço reduzido (abordado no último artigo)
- Conseguem mais recursos expandindo suas fronteiras (abordado nesse artigo)
Ótimo! Então aqui vamos tratar da maneira como percebemos essas fronteiras. Percepção essa que se traduz pelas informações, tanto as que você tira do problema quanto as que usa para resolvê-lo.
Começamos, portanto, explorando a maneira com que essas informações chegam até você: através das perguntas que se faz.
Busque pelas perguntas mais do que pelas respostas
Nosso pensamento é uma cadeia de perguntas, sejam elas conscientes ou não (você é capaz de pensar em algo que não seja resposta para uma pergunta?)
Assim, o que pensamos e a maneira como pensamos estão diretamente relacionados às perguntas que geralmente nos fazemos. Ter acesso a novas perguntas é muito mais valioso do que termos respostas para perguntas que nunca formulamos.
Faz sentido?
Nesse contexto, você tirar um momento para deixar as respostas de lado e se perguntar “quais outras perguntas eu poderia me fazer a respeito?”, pode abrir novas portas. E isso é fundamental para a criatividade.
As pessoas criativas são aquelas que sabem fazer as perguntas certas.
Se você conhece o “Guia dos Mochileiros da Galáxia” certamente sabe que a resposta para a Vida, o Universo e Tudo Mais é 42. Sim, esse é um livro de comédia, mas o Douglas Adams consegue trazer, através do humor, alguns pontos interessantes para reflexão.
Resumindo, a história do 42 é mais ou menos essa:
Após bilhões de anos calculando, o melhor supercomputador do universo chegou à resposta sem margem de erro. Indignados, os cientistas refutam os cálculos dizendo que não faz sentido. O supercomputador, então, lhes diz que o problema não é a resposta, mas o desconhecimento da pergunta fundamental para a Vida, o Universo e Tudo Mais. Só que isso ele já não podia calcular; no máximo, ajudar na construção de um computador ainda melhor que passaria mais alguns bilhões de anos procurando pela pergunta…
Enxergue além do que é mostrado
É, isso aqui parece tão óbvio que nem deveria estar aqui.
Mas esse é o momento para prestar atenção na obviedade. Será que realmente podemos confiar no nosso julgamento para definir o que é óbvio?
Como você deve suspeitar, cometemos erros de julgamento diariamente. Já citei aqui no blog o livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”, do Daniel Kanehman; nele você encontra vários exemplos desses erros.
Em síntese, temos um modo de pensar rápido, que exige pouco ou nenhum esforço. Esse é o nosso inconsciente, o piloto automático, o sistema que rege boa parte das nossas decisões.
O ponto delicado é que, ao deixar que ele processe as informações de um problema, é ele também o responsável por definir as fronteiras do nosso espaço criativo.
Algumas são reais: se você quiser criar um carro voador, precisa lidar com o fato de existir uma força puxando ele pra baixo o tempo inteiro…
Outras achamos que são reais, mas elas não passam de uma interpretação errada da nossa mente, uma falácia deduzida a partir de informações verdadeiras. E não nos damos conta.
Além disso, é difícil enxergarmos as informações ocultas, mesmo que sejam óbvias…
Vejamos algumas causas e exemplos, tiradas do livro do Kanehman:
Efeitos de Enquadramento
A maneira como a informação é apresentada pode alterar completamente nossa percepção emocional de seu significado.
Exemplo:
O marketing sabe usar isso muito bem: você prefere comprar um produto que tenha 10% de gordura ou um outro que seja 90% livre de gorduras?
Superconfiança
Nosso sistema automático confia demais na qualidade das informações que temos. E essa tendência causa dois problemas:
Primeiro, torna difícil enxergarmos ambiguidades, já que esse sistema automático faz o possível para suprimir as dúvidas, conectando as informações com a melhor história que for capaz de bolar. E isso restringe nossa capacidade de viver no caos (lembra do artigo passado?).
Exemplo:
Em todas.
Certo, o banco pode ser tanto o que se usa pra sentar quanto a instituição que guarda seu dinheiro. Mas o elemento que você deve ter lido como B na primeira caixa é o mesmo que você deve ter lido como 13 na terceira.
Segundo, o sistema automático tenta encontrar uma solução que atenda a todas as informações que temos, e só a elas. Mas algumas talvez não devessem ser atendidas e outras, mais importantes, podem estar faltando.
Exemplo:
Uma pena em uma mão, uma laranja na outra. As duas são largadas da mesma altura, no mesmo instante. A laranja chega primeiro ao chão.
Se você já estudou física, sabe que esse é um exemplo bem banal. Mas por muito tempo se acreditou que isso acontecia porque a laranja é mais pesada. E, assim, era esperado que se o experimento fosse repetido com a laranja e uma bola de boliche, a bola chegaria ao chão mais rápida.
Só que não. Há o famoso experimento de Galileu na torre de Pisa (controverso em relação à sua existência), em que ele teria provado que objetos de massas diferentes chegam juntos ao chão. Hoje sabe-se que, no vácuo, pena, laranja e bola caem com mesma velocidade (quer ver isso em vídeo? clique aqui).
Informação que julgaram importante, mas não era? A massa.
Informações que estavam faltando? Resistência do ar e gravidade.
Negligência com a taxa-base
Muitas deduções que fazemos vão contra dados estatísticos. Não que você precise saber todos de antemão, mas deve sempre desconfiar de seus levantamentos estatísticos intuídos.
Exemplo:
José é um cara organizado, contido e calmo.
A resposta que você dá pra essa pergunta está muito mais relacionada à visão que você tem de biliotecários e fazendeiros do que aos números representativos. Mas a pergunta não foi: “Você acha ele mais parecido com um biliotecário ou um fazendeiro?”. Foi o que é mais provável.
Se você tivesse a informação de que no Brasil existem mais de 100 mil fazendeiros com essas características contra pouco mais de 2 mil bibliotecários*, qual seria sua resposta?
(* Fonte: DCI – Dados Completamente Inventados)
Mas e aí? O que tudo isso tem a ver com a minha capacidade de criar mundos de fantasia?
Se você está ativamente tentando pensar em algo novo, preste atenção nos círculos que sua mente está dando. E reflita sobre essas duas perguntas:
1. Será que você não está amarrando seus pensamentos em alguma informação desnecessária ou errada?
2. Será que não há nenhuma informação que você possa adquirir que facilite o processo?
Há um problema clássico que trabalha bem com a primeira pergunta:
Observe a figura abaixo. Você consegue unir todos os nove círculos com quatro traços retos, sem “tirar o lápis do papel”?

Essa é apenas uma das soluções possíveis. Esse problema ficou famoso porque muitas pessoas não fazem traços que ultrapassem a área quadrada; só que o problema não trouxe essa limitação com ele.
Há soluções ainda mais criativas que permitem resolvê-lo com apenas três ou dois traços retos, outras o resolvem só com um. Alguma ideia de quais sejam essas soluções?
E quanto à segunda pergunta…
Amplie Suas Referências
Isso já foi citado lá no artigo sobre o Bloqueio. Ampliar as referências trata de adquirir novos conhecimentos e de se submeter a novas experiências.
Lembra do que foi falado sobre sair da sua zona de conforto? Isso se aplica aqui também!
Só que não se restrinja apenas a participar de eventos diferentes, mas procure estudar a fundo algum campo novo, talvez até mesmo algo que você acha que detestará…
E por que tudo isso?
Bem, quanto mais informações seu cérebro possuir, mais combinações ele é capaz de traçar. Simples assim.
Vamos a alguns exemplos famosos:
George Martin parece nutrir um gosto peculiar por História, em especial, pela História da Inglaterra.
Você já reparou na semelhança entre Westeros e o mapa da Grã-Bretanha?
Nos detalhes da Guerra das Duas Rosas? A rosa vermelha dos Lancasters contra a rosa branca dos Yorks?
Claro, isso não tira em nada o mérito do Martin. É através de analogias, semelhanças e adaptações que as coisas são criadas. Nada vem do nada.
Se você assistiu a animação, deve ter percebido que as cenas de batalha eram muito bem executadas, todos os movimentos eram bem planejados, orgânicos. Ouso dizer que elas foram as melhores que já vi em um desenho animado.
E não é sem motivo. Cada dobra elemental é baseada em um estilo marcial: dobradores de água fazem os movimentos do Tai Chi; os de terra, do Hung Gar; os de fogo, do Shaolin do Norte; e os de ar, do Ba Gua.
O conhecimento desses estilos já existentes fez a animação única, difícil de ser superada.
Conclusão:
Para somar à conclusão do último artigo, deixo as atitudes exploradas nesse daqui:
- Procure por novas perguntas;
- Questione a sua interpretação do problema;
- Questione a qualidade das informações que possui;
- Procure por novos conhecimentos.
Uma pessoa criativa é aquele que tem várias ideias ou a que tem ideias diferenciadas? Talvez um pouco dos dois, talvez criatividade seja essa mistura de quantidade e qualidade de ideias.
No entanto, a quantidade é uma das causas da qualidade.
E para se ter mais ideias, é preciso não só ter mais recursos como saber utilizar melhor aqueles que se tem. Isso é o que abordamos nos dois últimos artigos. Espero que os assuntos aqui tenham conseguido brotar algumas ideias na sua cabeça!
E então, pronto para criar?