Uma das maiores dificuldades quando se trata de descrever algo é acertar a medida. Pouca descrição e o leitor se sente largado em um mundo superficial; muita e o leitor mal consegue virar as páginas.
Outra dificuldade é construir a imagem certa. Tudo o que leitor tem são suas palavras, são elas que o guiam. Não adianta ter uma história que se desenvolve bem em sua cabeça, mas não conseguir transmiti-la. E as descrições carregam um peso grande nessa transmissão; afinal, são elas as responsáveis por armar o palco.
Assim, há alguns pontos a se ter em mente quando estamos descrevendo. Eles poderão ajudar você a encontrar o equilíbrio.
1 – Saiba a Importância de Cada Elemento
Não há como descrever absolutamente tudo o que está na cena, e isso nem deve ser feito. Por isso a primeira dica é separar aquilo que é importante do que é descartável.
É claro que há níveis de importância diferentes. Você provavelmente vai querer mencionar a arma que o antagonista está portando ao entrar no quarto, assim como aquela rocha gigante prestes a desmoronar… Isso monta o plano principal para o que vai acontecer.
Mas também há elementos sutis que ajudam a criar a ambientação. Está frio lá fora e tem uma lareira acesa na sala? É noite e o cômodo é iluminado apenas por um par de velas? O vento caótico torna difícil ouvir o que as pessoas estão dizendo? Isso adiciona profundidade e dinamismo à cena, aumentando a conexão com o leitor.
Assim como há elementos que influenciam pouco ou nada na interação entre as personagens, porém ajudam a fixar a imagem da cena. Pode ser um tipo de pássaro cantando à distância, a cor das luzes piscando em um monitor secundário ou o tecido do robe da vovó. No entanto, aqui é quando as descrições começam a se tornar exageradas. O que e como acrescentar depende muito da situação (mais disso adiante).
2 – Use Todos os Sentidos
Acho que essa é a dica mais repetida por aí. É claro que descrever tudo o que o protagonista vê, ouve, cheira e sente cria uma imersão muito maior do que focar só na visão.
No entanto, querer descrever todos os sentidos o tempo inteiro é um exagero. A visão não é a mais usada à toa, ela geralmente é a mais importante para situar o espaço da cena. Não se esqueça da dica anterior: acostume-se a pensar nos outros sentidos, mas lembre-se de dar a cada um sua devida importância.
A sala era pequena, coberta por um tapete de lã. Sobre ele, havia apenas um sofá e uma mesinha de centro.
O cheiro de lavanda inundava a pequena sala. Um tapete de lã espalhava sua maciez pelo piso. Sobre ele, havia uma mesa de centro e um sofá, que rangia quando alguém sentava.
3 – Cuidado Para Não Descrever o Óbvio
De vez em quando somos tomados por uma empolgação descritiva e queremos ter certeza que o leitor não irá se perder. Só que nesse ímpeto, acabamos subestimando sua inteligência.
“A água estava molhada” ou “o fogo estava quente” são alguns exemplos mais… óbvios. Não que em seu universo não possam existir águas que não molhem ou fogos gelados, mas daí guarde as descrições para esses casos inusitados.
Entretanto, às vezes essas descrições óbvias acabam aparecendo porque queremos enfatizar a característica e trazê-la para a mente do leitor.
Por exemplo, apontar que “o boi tinha chifres” não é necessário. Agora se a sua intenção não era dizer o óbvio, mas levar a atenção do leitor para os chifres, descreva uma particularidade deles. Especificar que “um dos chifres estava lascado” ou “era torto” é uma alternativa melhor.
Ou então, você pode optar pela próxima dica.
4 – Descreva a Partir das Interações das Personagens
Esse é um detalhe que parece simples, mas faz uma tremenda diferença. Uma coisa é descrever todo o ambiente como se a cena tivesse pausada, outra é fazer a descrição conforme as personagens interagem com ele.
Você pode mencionar o frio dizendo que o protagonista está batendo queixo. Ou deixar para descrever a força das ondas quando o surfista cair na água. E dizer o quão alongados são os dedos do mordomo quando ele estiver entregando uma carta ao protagonista.
“Ao entrar na sala, a moça foi inundada pelo conhecido cheiro de lavanda. Tirou os sapatos e sentiu a lã macia do tapete entre os dedos. Ao jogar-se no sofá, ouviu o seu ranger característico. Ignorou-o e colocou as pernas sobre a mesa de centro.”
5 – Use as Experiências Passadas do Protagonista
Claro que se você estiver escrevendo sob um ponto de vista limitado, faz sentido descrever só o que esse ponto de vista consegue notar.
Mas além disso, veja essa limitação como uma oportunidade de aumentar o vínculo do protagonista com o leitor. Adicione interpretações pessoais às percepções que ele tem do ambiente.
Sim, a noite estava fria, mas não tão fria quanto os invernos de sua cidade natal. Talvez as águas eram de um azul que muito lembrava os olhos de seu amante. Ou o sino tocando à distância o fez aguardar pela chegada do pai em casa, embora soubesse que já não havia mais motivo para isso…
6 – Não Quebre o Ritmo da Narrativa
Saber o quão rápido precisa fluir as ações em um dado momento é fundamental para saber o quanto estender suas descrições. Se o policial está no meio de uma perseguição frenética, ele dificilmente vai parar para apreciar o pôr do sol sobre o oceano ou aqueles dentes-de-leão no quintal do bandido.
Contudo, também não prolongue uma passagem já lenta com descrições desnecessárias. O protagonista estar parado e sossegado não é motivo para colocar três parágrafos descrevendo uma floresta mundana de eucaliptos.
É bem provável que mencionar “floresta de eucaliptos” seja o suficiente para evocar o necessário na mente do leitor. Porém se a sua floresta possui uma particularidade, como umas árvores tombadas ou troncos cor-de-rosa, aí vale a menção.
Percebe? Esse é um outro ponto importante para acertar a dosagem: a diferença entre aquilo que é descrito com o que é esperado pelo leitor. Lembre-se, não subestime sua inteligência; descrever aquilo que ele já espera é apenas maçante.
Agora se o mocinho está passeando pela floresta mágica onde as árvores possuem troncos cor-de-rosa, os pássaros caminham como formigas e o rio não corre, é interessante usar um pouco mais das palavras para montar essa imagem.
7 – Prefira Verbos e Substantivos a Adjetivos e Advérbios
Essa é uma daquelas boas práticas de escrita que merecem ser tratadas com carinho. Adjetivos e advérbios não possuem tanta precisão quanto um substantivo ou um verbo. Dizer que “o caminho estava escuro” entrega menos do que “dava para enxergar somente o passo seguinte”. Há vários níveis de escuridão, não é?
O uso de metáforas e comparações é uma boa alternativa. Você pode substituir um “muito rápido” por “tão veloz quanto uma cobra dando o bote”. Porém não dá para abusar e usá-las o tempo inteiro.
O ideal é refletir sobre o peso das palavras que escolhe. Você pode substituir um “falou alto” por “gritou”. Essa busca por palavras mais precisas deve ser feita até para manter certos adjetivos. Um “enorme” é melhor que um “muito grande”.
Sim, isso não significa que adjetivos e advérbios não devam ser usados. No próprio exemplo da escuridão, eu acrescentei um “somente” e um “seguinte”. Existem situações em que o uso deles expressam melhor o que você quer; em certos casos, “o rapaz caminhou lentamente” pode lhe ser mais congruente do que “andou um passo a cada cinco segundos”.
E aqui também entra os níveis de importância. Você não precisa dizer que o robe da vovó é negro como o ébano, se ele estiver ali apenas como uma característica secundária.
Nesse outro artigo você encontra mais informações sobre isso e outra práticas parecidas.
Pensamentos Finais
A melhor maneira de refinar suas descrições é praticando. Experimente usar essas dicas para descrever a imagem do post:
Pense que seu protagonista é aquela pessoa caminhando na areia. Então procure responder algumas perguntas:
Quais são os elementos mais importantes do cenário?
Qual a temperatura da água? A textura da areia? Os aromas dominantes no ambiente?
O que a pessoa está fazendo? Como ela interage com o cenário?
A paisagem a lembra de algo?
Há alguma particularidade nessa cena?
Boas práticas, ficcionado!