Você já teve dificuldade de definir exatamente qual o gênero de uma história?
Se você for enxergar a classificação de uma maneira linear, do tipo “ou é isso ou é aquilo”, vai perceber que nem tudo é tão preto no branco assim.
Isso acontece porque toda história possui mais de um gênero.
Toda?
Sim. Há gêneros que classificam a maneira como a história é contada, outros que tratam do nível de realismo e ainda os que se preocupam com os valores conflitantes…
Enfim, cada seção desse artigo vai representar uma categoria, e você vai ver que toda história se encaixa em pelo menos um gênero em cada.
É preciso dizer que isso não é um guia incontestável. A bem da verdade, não há um consenso universal nem de quais sejam essas categorias, nem dos gêneros exatos que cada uma delas abrange; dependendo do autor que você ler e resolver seguir, algumas nuances vão se diversificar.
Seja como for, a classificação aqui proposta é uma boa base.
Gêneros Literários
A classificação do gênero literário remete à estrutura do texto.
Dramático: esses são os textos escritos pensados na encenação, prontos para o teatro. “Hamlet”, “Cyrano de Bergerac”, “O Auto da Barca do Inferno”… você já deve ter lido algo assim na escola.
Lírico: aqui estão as poesias, caracterizadas pela presença de um eu lírico e certa musicalidade das palavras. “Pesadelo”, “Tabacaria”, “Ao Desconcerto do Mundo”…
Narrativo: são os textos que possuem um narrador que… hã… narra a história >.<
Se for escrito em versos é chamado de épico (“Odisseia”, “Eneida”, “Os Lusíadas”), se for em prosa pode ser uma crônica, um conto, uma novela ou um romance.
Daqui para frente vou focar no gênero Narrativo, não que as classificações abaixo não sirvam para os demais, mas não sei o quão importante seria refletir a respeito delas para escrever poesia…
Quanto ao Tom
Assim como o gênero Dramático pode ser dividido em Tragédia, Comédia e Farsa, dependendo do tom como a história é contada; pode-se pensar em uma classificação semelhante para o gênero Narrativo.
Drama: histórias fiéis às emoções dos personagens e, portanto, carregam uma carga emocional maior.
Comédia: histórias que utilizam do humor justamente para evitar uma grande carga emocional.
Documentário: histórias contadas através dos fatos documentados e, embora apresente as emoções conforme sejam expressadas pelos envolvidos, o narrador permanece imparcial.
Uma pequena palavrinha em relação aos termos:
Drama vem do grego "drama", que significa “ação, feito”. Por isso o gênero Dramático recebe esse nome, já que ele é escrito pensado nos atores “em ação”; inclusive, a palavra drama também era utilizada em grego para se referir à “peça de teatro”. No entanto, fica a dúvida de como o Drama passou a significar “histórias emocionais”.
Quanto à Realidade
Como você deve suspeitar, é aqui que a história é classificada quanto ao seu nível de congruência com a realidade.
Fatualismo: história real, apoiada em fatos. Aqui entram as biografias e eventos históricos, como “O Diário de Anne Frank”, de Annelies Marie Frank, ou “1808”, de Laurentino Gomes.
Realismo: história ficcional que poderia ter ocorrido em nosso mundo. Aqui entram livros de diversas épocas, desde literatura clássica como “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, passam por “O Assassinato no Expresso do Oriente”, de Agatha Christie, e chegam até algo mais contemporâneo como “Cidades de Papel”, do John Green.
Ficção Científica: história ficcional baseada em alguma tecnologia. Apesar de ser temperada com elementos irreais, se preocupa em fornecer uma explicação baseada em elementos reais.
A Ficcção Científica ainda abrange uma porção de subgêneros:
- Steampunk: baseada em tecnologias com um funcionamento inteiramente mecânico, geralmente utilizando o vapor como fonte de movimento (vapor, do inglês steam). É tida como uma História alternativa do mundo, caso ele continuasse evoluindo a partir da Revolução Industrial sem as tecnologias eletrônicas. Como em “Leviatã”, do Scott Westerfield.
- Cyberpunk: baseada em tecnologias eletrônicas e em mundo mais digital. É usualmente vista como um futuro próximo e distópico. Como em “Neuromancer”, do William Gibson.
- Apocalíptica: baseada em alguma tecnologia que está prestes a destruir o mundo e/ou salvá-lo de seu fim iminente. Essa tecnologia não necessariamente é terrestre, como vemos em “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells.
- Pós-Apocalíptica: baseada em uma tecnologia limitada ou ausente, o que restou ao mundo após quase ter sido destruído. Como em “A Estrada”, de Cormac McCarthy.
- Space Opera: baseada em tecnologias extremamente avançadas, que acabaram permitindo explorações interplanetárias. Como em “A Guerra do Velho”, do John Scalzi.
Fantasia: história ficcional com vários elementos que fogem à nossa realidade: magias, criaturas mágicas, mundos alternativos ou paranormalidade. Ao contrário da ficção científica, ela não está preocupada em fornecer uma base real para as irrealidades; inclusive, muitos elementos precisam ser simplesmente aceitos dentro das leis que regem o universo onde se passa a história.
A fantasia também pode ser dividida em vários subgêneros, porém não acho que eles sejam necessariamente autoexcludentes. Por exemplo, podemos dividi-la quanto ao nível de fantasia empregado:
- Alta Fantasia: quando os elementos fantasiosos são abundantes e/ou a trama gira em torno deles. Geralmente é caracterizada por um mundo alternativo, com seu próprio conjunto de regras (mesmo que esse mundo esteja escondido sob o nosso). Como em “As Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis.
- Baixa Fantasia: quando os elementos fantasiosos não são enfatizados; eles fazem parte do mundo alternativo, geralmente em pouca quantidade, porém o foco da narrativa está mais nos personagens e em seus desenvolvimentos do que na fantasia em si. Mesmo que os elementos fantasiosos sejam importantes, a maneira como os personagens os enxergam é ainda mais. Como em “A Guerra dos Tronos”, de George Martin.
E também podemos dividi-la quanto à época:
- Clássica/Medieval: espada e magia, reis, reinos, cavaleiros e magos… você sabe do que eu estou falando. Como em “O Senhor do Anéis”, de Tolkien.
- Contemporânea/Urbana: coloca os elementos fantasiosos na atualidade, seja permeando o mundo real, seja criando um mundo alternativo acessível a partir do real. Como em “Cidade dos Ossos”, de Cassandra Clare.
Absurdismo: história que distorce ou ignora a realidade por muito mais do que meros elementos pontuais. Como em “O Pequeno Príncipe”, do Antoine de Saint-Exupéry. As fábulas também entram aqui.
Quanto aos Valores
Agora chegamos no que é mais popularmente conhecido como gênero. Essa categoria é relacionada com os valores que são colocados em risco durante a história.
Ação e Aventura: Vida/Morte; “Viagem ao Centro da Terra”, de Julio Verne.
Terror: Vida/Danação (algo pior do que a morte); “A Coisa”, de Stephen King.
Crime: Justiça/Injustica; “O Signo dos Quatro”, de Arthur Conan Doyle.
Suspense: Vida/Morte/Danação, com Justiça/Injustiça (mistura de Ação, Terror e Crime); “O Silêncio dos Inocentes”, de Thomas Harris.
Western: Solidão/Civilização (os clássicos de faroeste, do forasteiro que se vê entre a liberdade selvagem das estradas e a vida em sociedade); “Caçadores de Cavalos”, de Zane Grey.
Guerra: Honra/Desonra; “Portões de Fogo”, de Steven Pressfield.
Romance: Amor/Ódio; “Como Eu era Antes de Você”, de Jojo Moyes.
Sociedade: abrange valores sociais e políticos como Individualidade/Família e Poder/Impotência; “O Poderoso Chefão”, de Mario Puzzo.
Então…
Primeiro, volto a dizer que essa classificação não é absoluta e que varia bastante de autor para autor. Muito do que está aqui foi baseado na divisão do Shawn Coyne, apesar de eu ter alterado algumas coisas baseado em outras classificações (se quiser saber mais dê uma olhada em seu livro, “The Story Grid”, ainda sem tradução).
Segundo, como mencionei na introdução do artigo, uma obra assume mais de um gênero, pois pode ser encaixada em pelo menos um de cada categoria.
Terceiro, eu acredito que geralmente apontamos pra um livro e dizemos “esse aqui é um suspense” ou “aquele ali é uma ficção científica”, por ser esses gêneros serem os que mais chamam a atenção na obra. “A Coisa” é muito melhor caracterizado por ser um livro de terror do que por ser uma fantasia urbana, apesar de ser ambos.
Tomemos como exemplo “Harry Potter”, da J. K. Rowling. Podemos defini-lo como um romance (portanto, gênero narrativo), um drama, uma alta fantasia contemporânea e uma ação/aventura. Claro, isso pode ser contestado, você pode dizer que em algumas passagens os valores em cheque mais importantes são o amor/ódio ou então a justiça/injustiça, mas vida/morte continuam sendo majoritariamente principais.
Fecho aqui com mais dois exemplos:
“O Guia do Mochileiro das Galáxias”, de Douglas Adams: gênero narrativo (romance), comédia, ficção científica (space opera), ação/aventura.
“A Garota no Trem”, de Paula Hawkins: gênero narrativo (romance), drama, realismo, suspense.
E aí, aquele livro lá é fantasia ou aventura?