É isso mesmo, estamos começando uma coluna especial de entrevistas! o/
Nessa conversa com Laura Bacellar abordamos o mercado editorial e a publicação independente, com várias dicas e avisos aos escritores iniciantes… Você não pode deixar de ler, ficcionado.
Sobre
A Laura é formada em editoração pela ECA USP e trabalha em editoras desde 1983. Começou na Editora Paz e Terra como estagiária e já ocupou todas as funções editoriais – de produtora na Hemus a editora chefe na Brasiliense. Fundou e dirigiu o primeiro selo editorial inteiramente dedicado às minorias sexuais, Edições GLS, e a primeira editora focada em lésbicas, a Malagueta. Já foi editora em casas pequenas, como a Mercuryo, e enormes, como a Scipione. Sua especialidade é não-ficção, mas edita também paradidáticos, literatura adulta, literatura infantil e interesse geral.
Escreveu quatro livros como ghostwriter e um com seu próprio nome, “Escreva seu livro – guia prático de edição e publicação”, pela Editora Mercuryo. Adaptou sete clássicos do inglês, “Robinson Crusoé”, “Drácula”, “Sherlock Holmes”, “Frankenstein”, “Rei Artur”, “Caninos brancos” e “Um conto de Natal” para a editora Scipione, e escreveu uma outra obra infantil, “Mini Larousse da educação no trânsito”, para a Larousse do Brasil. É co-autora, com o índio cariri Tkainã, do livro juvenil “Mãe d’água” pela Scipione; publicou “O mercado GLS” com Franco Reinaudo pela editora Ideia e Ação; lançou “A mãe possível – Os caminhos do xamanismo para dissolver a culpa da mãe que não é perfeita” com a mestra xamã Carminha Levy; e “Frente e verso – visões da lesbianidade”, com Lúcia Facco e Hanna Korich pela Brejeira Malagueta. Também adaptou o clássico indiano “Ramayana” pela Berlendis.
Dá cursos regularmente para autores e editores em instituições como a Universidade do Livro, ligada à Unesp, e a Casa Educação, no MBA Book Publishing. Mantém o site Escreva Seu Livro, já recomendado aqui no blog. Atualmente trabalha como freelancer para várias grandes editoras, dando pareceres, fazendo acompanhamento editorial e dando consultoria.
Livros preferidos
Laura: Difícil dizer um só, mas dentre os últimos que li…
Ficção – “O Mundo Pós-Aniversário”, de Lionel Shriver.
Não-Ficção – “The Horse: The Epic History of Our Noble Companion”, de Wendy Williams.
Perguntas
Laura: Sim, tem. Na Alemanha eu fiquei dentro de uma editora fazendo estágios em vários departamentos, então eu vi bem como ela funcionava. Na época eu tinha trabalhado em uma editora grande aqui no Brasil, então eu pude comparar bem. Em relação a métodos de trabalho, curiosamente, não eram tão diferentes; o que cada um fazia dentro dos departamentos era muito parecido.
Só que havia algumas grandes diferenças: na Alemanha, mesmo sendo um país com uma população menos da metade da nossa, acho que todo mundo é leitor, eu acho que os bebês já nascem lendo (risos), porque tem muitos e muitos leitores. Então apesar de ser um país pequeno, é uma população de leitores, com um mercado editorial respeitável; você publica e os livros vendem. Um livro que vende pouco, vende 60 mil exemplares em um ano; é um mercado pujante.
O que eu vi também é que eles se incomodam de fazer tudo previamente; eu ajudei a preparar um catálogo que ia ser lançado no semestre seguinte. Eles trabalham por estação, então era primavera e nós já estávamos fazendo o catálogo do outono e as capas estavam todas fechadas, tudo feito, tudo escrito. Eu nunca vi uma editora brasileira terminar a capa seis meses antes, fechar a arte, o texto de contracapa… nunca.
Laura: A função do agente literário é pegar a obra e melhorá-la ao máximo em parceria com o autor, pelo menos é assim que funciona nos Estados Unidos. Então o agente recebe a obra, ou a procura, e deixa ela aceitável para o mercado em parceria com o autor; o que, às vezes, é um trabalho imenso porque pode ser que a obra esteja crua. Daí ele leva a um editor que ele acha que estaria possivelmente interessado. E aí ajuda a negociar as condições de contrato para que sejam favoráveis para o autor, ou seja: que haja bons adiantamentos, que haja promoção… O agente faz isso: ele leva até a editora.
Laura: Olha, aqui acho que só se o nosso mercado crescer muito. Porque o agente literário ganha uma porcentagem do que o autor recebe como direito autoral, então se o autor recebe 10%, o agente recebe 10% desses 10%, ou seja, 1% do D.A. do autor que ele vendeu de forma bem-sucedida. Pra alguém conseguir viver disso é preciso que haja muitas editoras publicando e vendendo bastante, que os autores sejam bem-sucedidos o suficiente para que esse 1% seja algum dinheiro. No momento o nosso mercado não sustenta isso. Eu conheço vários agentes que simplesmente se recusam a pegar novos escritores porque é muito ponto de interrogação para o enorme trabalho que dá: eventualmente levar para uma editora, a editora publicar e o livro vender 800 exemplares e não pagar nada para ninguém.
O que existe e pode funcionar é o editor de texto. Ou seja, existe gente que pode trabalhar junto com os autores que querem se autopublicar para fazer com que a obra deles fique mais acabada. Porque muitos autores escrevem sem ter a menor noção do que é uma obra para o público, escrevem para eles mesmos, o que eles acham, e não editam. Então esse trabalho eu acho que falta muito. Para isso sim eu acharia bem adequado aparecer mais gente.
Essa figura do editor de texto já existe, são profissionais que prestam serviço para muitas editoras, às vezes nem trabalham internamente, são freelancers. E essas pessoas podem ser contratadas por autores. Só que ainda não houve um encaixe para isso ser facilitado, porque as próprias pessoas que fazem edição não pensaram em se oferecer para autores e estes também não pensam em procurá-las.
Laura: Como eles têm mercado, eles têm uma postura mais agressiva de procurar autores. Por exemplo, a Piper Verlag, onde eu trabalhei, tinha uma seção de não-ficção muito grande, então botava um editor lá na porta do prêmio Nobel. O fulano que ganhou o prêmio Nobel saía, dava de cara com o editor dizendo “queremos publicar seu livro”; “ah, mas eu nem escrevi ainda…”; “não interessa, queremos publicar o seu livro”. Ou seja, eles iam atrás de possíveis autores que achassem interessantes mesmo que tivessem que construí-los do nada. Essa postura aqui é muito rara. Pouquíssimos editores brasileiros vão atrás de alguém, exceto uma celebridade… O editor brasileiro não fica imaginando de onde fazer uma obra interessante, espera que a obra venha para ele pronta.
Nos Estados Unidos é um pouco meio termo, tem mais gente que corre atrás do que os brasileiros, mas menos do que os alemães. Vão atrás de coisas que estão acontecendo, fazem oferta, para pegar rápido o que esteja surgindo. Tem essa entidade, como vocês observaram, que é o agente literário; ele funciona muito bem em parceria com os editores e muitos deles acabam atuando como editores que constroem a obra. O editor diz “estamos procurando tal coisa” e o agente vai atrás de uma pessoa, de um campo, de uma escola, de onde seja possível gerar aquela obra, aquele conhecimento, e procura quem possa escrever.
Laura: É preciso criar aqui uma cultura de autores que não seja tão agressiva. O que eu tenho sentido pelo meu trabalho no “Escreva Seu Livro”, através das mensagens que recebo, é que as pessoas são um tanto preguiçosas, têm preguiça de ler um post inteiro! Fazem uma pergunta que já está ali respondida, e olhe que são escritores ou querem ser.
E depois, elas têm preguiça de trabalhar o original delas. Essa ideia de pegar o texto e adequá-lo, de pensar “eu escrevi um negócio, mas não sou um gênio como Leonardo da Vinci, eu vou ter que dar uma trabalhada, meu texto precisa ser um pouco lapidado para virar alguma coisa publicável” – as pessoas não querem! Então é preciso mudar essa cultura.
Lá nos Estados Unidos as pessoas são um pouco mais competitivas, elas sabem que não é só escrever qualquer coisa que o mundo vai se dobrar aos pés delas; entendem que tem outros no mercado e que vão ter que competir, entendem que precisam trabalhar o texto. O mercado de escritores independentes lá é um pouco diferente, você vê cursos de escrita, vocês mesmos citaram essa Joana Penn que escreveu tantos livros sobre como escrever, isso tudo é trabalho, a pessoa tem que comprar, ler o livro e seguir aquilo que está escrito. Precisa dar uma ralada. E aqui não, as pessoas querem quando muito assistir vídeo, elas não querem ler.
Não vou dizer que seja todo mundo assim, tem uma gente muito legal aqui que escreve muito bem, que tem boas ideias, mas que fica meio relutante em se trabalhar. Eu acho que vocês até podem ajudar essas pessoas; elas ficam meio com preguiça de entender o mercado, ficam achando que o mercado está fechado. O mercado está tão confuso, tão bagunçado, que na verdade está aberto. Não está fácil, mas está aberto.
É preciso quebrar essa ideia de que pensar em mercado é um horror. É preciso pensar em como alcançar as pessoas, como chegar no outro, naquele ser que vai ler você, opinar sobre você, eventualmente comprar a sua obra e indicar a sua obra. Como você cria um relacionamento com essa pessoa.
Mas os autores têm relutância em fazer isso, eles querem só escrever. Eu sei porque eu dei aula em cursos de literatura para gente muito jovem na Casa das Rosas, por exemplo, eu dei num projeto que estava ajudando os escritores a formatarem sua obra, a lançarem seus livros. Eu dei o módulo de “Como ser Publicado”. Falei: “existem as editoras, mas não necessariamente elas querem você; existe um mercado, mas ele está saturado, então você precisa criar um diferencial”, e as pessoas, jovens, começaram a ficar extremamente deprimidas porque nunca pensaram nisso. Por quê? Porque acharam que iam ter aquele momento de criação maravilhoso e aí a obra ia ser lançada no universo e fazer um baita sucesso sem se mexerem. E aí eu sou obrigada a dizer: “não, meu amor, você tem que se mexer, tem que trabalhar na obra, tem que trabalhar para deixar a obra num formato compreensível para quem vai ler e depois tem que fazer um esforço para quem se interessaria por aquilo ficar sabendo que ela existe. Tem que pensar no outro: aquele que vai ler quer o quê?”
Se eu perguntar para uma plateia de escritores “você escreve para quem?”, a maioria não sabe dizer. Precisa saber! “Ah, eu escrevo para adolescentes masculinos urbanos”. “Ah, eu escrevo para mulheres de mais de 50 anos”. Mas isso é raríssimo. E por não saber para quem se dirige, a obra acaba não ficando adequada. “Eu escrevo para qualquer um” não é resposta. Muitos escritores cometem esse erro; se você não sabe seu público, você não consegue fazer nada, vai colocar seu livro na Amazon em qual categoria? Vai fazer um anúncio no Facebook para quem?
No tempo em que eu comecei a trabalhar, eu não tinha a chance de me fazer como autora independente; se eu publicasse um livro por conta própria, ia vender para os meus amigos e ponto final. Veja como essa situação mudou, mesmo no Brasil: você consegue pensar em um livro, produzir, colocar no mercado de alguma forma, seja pelo seu site ou por algum outro. Agora até pela Amazon você coloca livros físicos e ebooks à venda; até o ano passado a Amazon não permitia a venda de um livro físico independente.
Então o que as pessoas precisam pensar: “nessa bagunça, eu posso achar um caminho, dá trabalho, mas é possível”. O que ela não pode é querer ser servida, “ah, eu só quero escrever e aí quero que alguém faça tudo”.
Tem tanta coisa mudando, tanta coisa acontecendo: existe a possibilidade de fazer confrarias de escritores, as pessoas podem criar grupos de interesses mútuos e fazer lançamentos e eventos em conjunto. Nossa, tem tanta coisa fantástica para fazer que não era possível um tempo atrás. Isso facilita horrores a vida de escritores independentes. As pessoas podem publicar assuntos que eram impossíveis antes.
Laura: Claro, os editores entram na Amazon, no Wattpad, eles estão atentos. Agora a Amazon até criou categorias para facilitar o trabalho deles: tem os mais vendidos por editoras, os mais vendidos indies… A Amazon está facilitando a vida para divulgar que são um ótimo lugar de publicação. Mas sim, os editores ficam ligados. É por isso que eu digo que se a pessoa souber se planejar ela consegue chegar no mercado editorial.
Os editores brasileiros em geral olham os mais vendidos, mas se tiver algum livro com muitas indicações, muito estrelado ou que aparece em listas, eles também olham. Olham e fazem ofertas. Tanto é que tem gente que saiu do Wattpad, da Amazon, e foi publicado.
Laura: É totalmente válido, é só saber o que está fazendo.
Tem algumas prestadoras de serviço que fazem pacotes, o que pode ser confortável para os autores.
Mas todos os trabalhos da linha de produção editorial são terceirizados. A Companhia das Letras terceiriza 80% dos seus trabalhos. A Rocco terceiriza todos os seus serviços. Então os profissionais que trabalham para as editoras podem trabalhar para você, toda a cadeia.
Se você realmente quiser e tiver esse pensamento independente, você pode pesquisar um pouco, isso não é difícil, essa informação é aberta, ela está por aí a um preço muito razoável, às vezes só tempo. Você pode contratar um editor? Pode. Um tradutor? Pode. Um diagramador? Pode. Um capista? Pode. Um capista premiado? Pode. Se ele não for interno de uma editora, você pode contratá-lo. Todos os trabalhos de produção e impressão você consegue contratar como autor independente. O ISBN, por exemplo, você tira pela internet em dois dias por 30 reais. A ficha catalográfica idem. Todas as etapas são contratáveis, dá um pouquinho de trabalho você descobrir o que precisa, mas se você descobrir faz um livro.
E qual a vantagem? Se você mandou imprimir 1000 livros e a gráfica entrega na sua casa, você tem controle absoluto sobre eles.
Já quando você faz pacotes, as prestadoras de serviço às vezes têm contratos meio esquisitos; eu sempre digo “leia com cuidado, aí tem muito jeito desses caras pegarem o seu dinheiro”. Tem várias pequenas armadilhas; por exemplo, você contrata e paga 5 mil reais pra fazer um livro, fica com 200 exemplares e o resto fica lá com a prestadora de serviço para abastecer a livraria caso ela precise. Mas será que a prestadora vai abastecer mesmo? Será que, se o site Submarino pedir, eles vão entregar mesmo? Quer dizer, você perde o controle daquilo, fica dependente. Na teoria você pensa “ah, eu não preciso fazer nada, a prestadora faz”, mas na prática você entrega o seu livro para ser trabalhado por alguém que não tem interesse em trabalhá-lo.
A livraria Cultura, por exemplo, pede, mesmo que ela goste de você, um ou dois exemplares de cada vez. Aqui em São Paulo você tem que entregar esse único exemplar com nota fiscal em Guarulhos. Então, para você vender um único livro, você precisa dirigir 30 km, se partir do centro de São Paulo, pegar uma baita fila, já que todo mundo está entregando nessa central, e ficar lá umas duas horas, atrás de gente descarregando, para entregar um pacotinho. Daí eles carimbam, confirmam que foi entregue e você vai ser pago dali a 90 dias (sendo que eles pedem 50% de desconto do preço de capa). E a Saraiva a mesma coisa, mas ela tem uma central em outro lugar.
Então você abastecer os centros de distribuição dá um baita trabalho; as prestadoras de serviço dizem que fazem, mas o autor independente pode garantir que elas vão ter esse trabalhão pra levar um livro dele lá? Você garante que vão fazer isso? Só se tiverem uma razão forte, senão não. Ou então ela demora 15 dias para mandar para a livraria, esperando ter pedido suficiente para o pacotinho incluir vários livros de uma vez.
Esse lidar com o mercado é bastante trabalhoso. Por isso eu acho que você como autor deve, sabendo que as coisas são difíceis, procurar pelas alternativas possíveis para você e assumi-las. Ou assumir individualmente, ou em grupo. Eu acho que o melhor jeito é em grupo: um grupo de escritores pode formar um sistema de atender pedidos, mandar livro, tudo em conjunto. Mas é mais interessante você se apropriar, você fazer, do que deixar nas mãos de alguém que não tenha tanto interesse.
Ficcionados: Até porque essas prestadoras já receberam por ter impresso o seu livro…
Laura: Exatamente! Elas não têm interesse em vender um único livro para a livraria Cultura, daí você perde. Porque interessa a elas venderem 100 livros de uma vez como é em um lançamento; disso elas gostam: falar com a livraria, colocar na vitrine, fazer pilha e vender uma quantidade razoável para valer a emissão de nota e tal. Mas você faz isso e dois dias depois a livraria devolve o que não vendeu. Você entregou 150 livros para o lançamento e ele vendeu 70, 80 exemplares, o normal de um lançamento; depois disso a livraria presta as contas, devolve a consignação e você emite uma nota de venda e devolve o resto.
Depois que a prestadora de serviço fez isso, ela não tem mais interesse em continuar o relacionamento com a livraria: ir lá toda semana e dizer “pô, meu amigo, põe o livro aí pra ver se vende”. Aí deixar o livro lá e vender um exemplar por mês: é muito trabalho para pouco retorno. Então a prestadora faz só aquele grande esforço que é o lançamento e depois nunca mais se mexe. Para o autor isso é muito ruim.
Eu recomendo para os autores independentes usarem a prestadora de serviço sabendo que ela não vai se mexer. O melhor jeito é um contrato que não prenda você: ela só entregar os livros e você fazer toda a intermediação com locais de venda. Se você quer botar no Submarino, você vai lá e faz o contato, bota o livro. Pelo menos você sabe o que está fazendo. Eu falo isso, mas não quero sacanear ninguém, tem de tudo no mercado, inclusive gente muito boa. Só recomendo que autores dêem uma olhada antes de fechar contrato com uma prestadora, olhem no “Reclame Aqui”.
Laura: Isso aí só é interessante para um determinado tipo de livro, um livro altamente técnico, que pode ser vendido por um preço alto, que não precisa ser renovado e que não precisa ser divulgado. Então se você escreveu um catálogo das aves silvestres que habitam tal lugar e só tem aquele, quem quer aquele livro tem que comprar o seu; não importa se o livro custa 80 reais, só tem aquele.
Agora se você escreveu um livro de zumbis e que quer vender vários milhares, esse jeito é terrível porque o livro fica acima do preço de mercado e não fica disponível em lugar nenhum, não tem como você fazer lançamentos ou eventos.
A armadilha deles é assim: parece tudo maravilhoso, mas qual autor resiste a ter seu livro na mão? A grande venda deles é para o próprio autor, e pelo preço cheio. Só que se um livro daquele tamanho em geral custa 40, com eles vai custar 56. Aí eles tiram os 6 reais de direito autoral e você acaba pagando 50. Se você quiser distribuir o livro para a sua família e amigos, acaba comprando um pacote com 10. Aí vão 500 reais. É assim, eles acabam vendendo para o próprio autor.
Mas é inútil? Não, não é. Só que eu recomendo mais para um livro altamente técnico: a pessoa põe lá e fica disponível. De repente você tem um blog, um site, e daí pode colocar “se quiser algo mais completo, clique aqui e compre”. Agora para autores que queiram se fazer, especialmente na ficção, é um desastre. Tem um monte de gente que entra no Clube dos Autores e você vai ver a quantidade de livros vendidos: três!
Laura: As editoras estão com uma nova exigência, que é o autor já ter plataforma. Isso as editoras mais comerciais, digamos assim, que em geral são as que mais interessam para os escritores de ficção. Então se você quiser começar já chegando, construa presença na internet; as editoras olham para isso. A pessoa não precisa ter um bilhão de acessos, mas precisa ser alguém. Se ela tiver um blog com 27 seguidores, o editor nem vai ler o original. Se digitar o nome do autor no Google e não aparecerem várias coisas, também não. Mas volto a dizer, não está difícil ser alguém na internet, basta ter um trabalho sistemático. Não é nem um trabalho imenso, só sistemático, você consegue criar plataforma, ter seguidores, um grupo… Então as editoras publicam sim, mas brasileiros que já tenham uma plataforma e não alguém completamente desconhecido. A menos que esse alguém desconhecido tenha já — para livro de ficção isso é um pouco mais difícil — um conhecimento em determinada área, fora da internet a pessoa seja uma entidade, um professor, um especialista… ela tenha autoridade no mundo físico. Mas para ficção, se não tiver plataforma, não acontece.
Laura: Tem gente que gosta de dar um modelo, uma receita. Eu apenas digo que a pessoa crie uma maneira de se comunicar com seu público que seja sistemática. Qualquer que seja. Você precisa se sentir confortável com o meio, e o seu público também. “Pode ser pelo Insta?” Pode, se você gosta do Insta e o seu público também, divirta-se. “Mas posso postar só no Facebook?” Pode. “Ah, mas eu gosto de blog”, então faça um blog. Tudo depende de público. Quer fazer podcast? Também pode ser. Cada mídia tem um público mais fiel, é uma questão de você entender onde o seu público está e falar com ele. O maior número de ouvintes de podcast por exemplo são homens adultos, fiquei espantadíssima em saber disso; são aqueles que ficam presos no trânsito ou vão para a academia e querem aproveitar o tempo para ouvir alguma coisa.
Então eu não posso dizer “faça isso”, você tem que fazer algo que seja adequado ao seu público. Quem fizer podcasts para um público masculino, com certo nível cultural, certo poder aquisitivo, certa idade, meu, na hora em que lançar um livro, ele vai estourar.
Enquanto isso, você vai postando assuntos relacionados ao seu livro, construindo a base. Só não vai ficar falando “ah, estou escrevendo um livro”, não, não fale nada, apenas quando o livro estiver pronto… Mas você vai construindo a base.
Laura: Isso é difícil porque o problema é o público, o público é que é viciado.
Eu faço parte de um grupo que faz uma campanha sistemática pela literatura nacional, mas nós somos minoria. Mas vamos lá, vocês que são jovens e têm mais fôlego (risos) entrem nessa toada também. E essa toada para escritores significa ser um escritor intermediário entre a alta literatura e a muito básica: um escritor inteligente que escreve bem, mas que não tenta ser inacessível nem elitista. Precisamos de escritores que sejam assim e de editores que defendam isso para conquistar o público. Porque o público pensa assim: se eu for ler um autor brasileiro, ou ele vai ser chato, difícil de ler, ou ele vai ser ruim. São esses dois preconceitos: se ele for pop, uma história de zumbi, então ele vai ser ruim — pode ser que seja ruim mesmo porque muitos são, e daí o preconceito —; se for bem escrito, ele vai ser inacessível. Ou seja, jamais terá uma história de zumbi bem escrita… Ou policial, romântica, suspense, qualquer gênero.
Existe muito pouco trabalho nesse intermediário porque os escritores que escrevem bem acham que não podem se abrir para o grande público, senão vão ser execrados pelos seus colegas, serão considerados vendidos ou sei lá o quê. Nós temos pouca gente inteligente que se interessa em falar com o público de maneira mais ampla, e o público de volta diz “tá bom, então não quero”. Precisamos dos dois lados: escritores que escrevam obras boas e acessíveis, digam para o público “olha como isso aqui é legal, é gostoso, fácil de ler…” e um público que arrisque ler brasileiros para conferir. Até tem alguns casos, como o Cristovão Tezza com “O Filho Eterno”, uma obra acessível ao público em geral e bem escrita que virou best-seller. Alguém que leu o Tezza pode perfeitamente querer ler outro escritor brasileiro.
Além disso, o que temos de bom aqui no Brasil é a sensualidade e o humor, um humor muito acima da média. Você vai ler uma obra americana, alemã, sueca, não tem isso, essa é uma vantagem incrível. Os escritores brasileiros poderiam trabalhar mais o humor para atrair o grande público, mas sem serem inacessíveis. Em alguns casos até acontece: você vai ver aquele “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, é humor, mesmo escrachado — nem estou entrando no viés político.
Dá para trabalhar isso, mas o que precisa? Pessoas que pensem “ah, eu quero escrever bem, mas vou fazer um esforço pra falar com o público maior, não vou falar apenas com meu colega que tem 20 anos de estudos literários, só com o especialista que adora Clarice Lispector, só com quem leu 15 anos de literatura comparada, não, vou falar com esse público inteligente, mas que não tem todo esse preparo, que não vai ler cada palavra minha e ver se ela soa bem”.
Laura: Primeiro, não espere nada. Tem que entrar na escrita com espírito de aventura, como se estivesse embarcando para um país desconhecido. Dá até pra se informar, se preparar, mas não tem como saber o que vai acontecer; não tem controle. Mesmo pondo dinheiro, não tem como ter garantia de sucesso.
Nesse pique de espírito de aventura, faça bastante experiências: não deu certo aqui, faça ali. Você quer ter sucesso com seu primeiro livro? Sua primeira tentativa? Não é muito provável.
Principalmente, relacione-se com outros escritores: faça amizade e trabalhe em grupo; não para a escrita, mas para a promoção, lançamento, ter ideias, fazer eventos… trabalhem juntos, não tem porque ficar sozinho.
Agradecemos muito sua participação e a profundidade das respostas, Laura!
E você, ficcionado, não deixe de acompanhá-la no Escreva Seu Livro.