É comum para o escritor iniciante começar a escrever com uma certa arrogância. Arrogância de achar que o seu primeiro texto vai ser incrível, valer a pena ser lido… Sem pensar que, muito provavelmente, aquele será o seu pior trabalho. Acontece, e não é de todo ruim.
Um pouco de arrogância cai bem no começo: talvez a convicção no próprio talento impeça o iniciante a desistir, nos anos (ou décadas!) onde ele vai escrever sozinho, sem apoio e nem leitores.
Mas a utilidade dessa arrogância tem limite. O escritor que não estiver disposto a admitir que pode aprender mais, que deve aprender mais, está fadado a permanecer na mediocridade.
É difícil admitir os próprios defeitos. Com algo tão subjetivo quanto escrita, tão difícil de avaliar como bom ou ruim, é fácil acreditar que não estão te lendo porque o seu público não te encontrou, porque você deu azar… Quando a razão pode ser simplesmente que a sua história não é boa o suficiente.
O escritor pode melhorar em vários pontos: estilo, prosa, construção de personagem e mundo, diálogo… Muitos desses podem ser aprendidos sozinho, lendo outros romances, testando, recebendo opiniões… E esse progresso aparente afasta o iniciante de mais estudo, até porque é difícil encontrar algo que explique convincente e objetivamente como escrever bons personagens, tintin por tintin. Cria-se uma resistência não exatamente a melhorar, mas a estudar algo que pode trazer melhora, como se o estudo fosse uma espécie de derrota, uma admissão da própria pequenice, uma quebra da arrogância que manteve a vontade de escrever viva. E uma das coisas que mais vejo escritores resistindo a estudar é roteiro.
Mas Por Que Resistir ao Estudo de Roteiro?
Por “roteiro” entenda não exatamente roteiro audiovisual, mas a sequência de acontecimentos de qualquer história, o plot, a trama. O plano da história.
Creio que existem vários motivos que levem roteiro gerar tanta resistência.
Existe o pensamento de que a literatura deve ser livre, totalmente criativa. Pensar em roteiro é limitar a sua criatividade, colocando-a numa caixa que alguém construiu, adequando-a a certo padrão. O escritor inciante vê um diagrama da Jornada do Herói e compreende aquilo como um “guia fácil para escrever grandes histórias”, o que ele imediatamente descarta, sabendo, corretamente, que não é só seguir uma receita de bolo para criar uma história boa.
Existe também um receio de ser provado errado, de perceber que tudo que se está fazendo é errado, que histórias devem ser do jeito A enquanto se está escrevendo do jeito B… E a motivação para escrever já é limitada, imagine como fica depois de ouvir que está tudo errado? É um risco grande demais estudar e se convencer a desistir.
Um terceiro motivo é o medo de se limitar pelo conhecimento.
Já ouviu a história de George Dantzig? Em 1939, na faculdade, o futuro matemático chegou atrasado para uma aula e viu dois problemas no quadro. Ele assumiu que eram dever de casa, e um dever muito difícil. Demorou alguns dias, mas conseguiu resolver os problemas e entregou ao professor. Alguns dias depois, o professor veio conversar com ele: "Aqueles problemas não eram dever de casa! Eram exemplos de problemas que os matemáticos estão tentando resolver há anos... E você resolveu!"
Imagine se George soubesse que eram problemas “impossíveis”. Imagine se J.K. Rowling tivesse lido que sistemas de magia devem ter regras claras. Se Tolkien tivesse estudado literatura inglesa clássica e ouvido que boas histórias se passam no mundo real.
E se aprender noções de roteiro não vai te convencer que tentar fazer algo diferente é muito difícil, que é melhor não experimentar, e esquecer aquela estrutura única que tornaria sua história incrível? E se o estudo te deixar inseguro, inquieto, fazer você perder a confiança na sua criatividade e nunca escrever algo realmente original? A própria J.K. Rowling não lia fantasia! Imagine se ela lesse, e concluísse que Harry Potter não era especial, e não valia a pena ser escrito?
Este último motivo pode ser um dos mais difíceis de superar. Parece lógica a ideia que, enquanto tentando fazer algo novo, entender tudo que há sobre aquele assunto pode criar dogmas falsos. Mas esse é um pensamento muito limitado, inseguro.
O problema com esses três motivos é que eles enxergam roteiro de uma forma limitada, negativa. E que eles não entendem que engolir o orgulho e a insegurança são parte do esforço para crescer.
E Por Que Não Resistir ao Estudo de Roteiro
Estudar estruturas de roteiro que funcionam, com a Jornada do Herói, a estrutura da história em três arcos, ou o método snowflake, não é definir exatamente como você deve planejar todas as suas histórias. Pode até ser, e não há problema se for, mas não é uma obrigação.
Não há regras inquebráveis para escrever uma boa história. Não deixe ninguém te convencer do contrário. Existem várias boas práticas, e muitas técnicas que são aplicadas o tempo todo, mas sempre há alguma obra que quebra-as de alguma forma.
O ponto é que todos os ensinamentos do roteiro não são populares por acaso. Eles funcionam. A Jornada do Herói vem sendo seguida em histórias populares há, bem, milhares de anos.
Estudar roteiro não é se obrigar a seguir algo que outra pessoa criou, ou se arriscar a perceber que você está errando: é conhecer as técnicas e compreender por que elas funcionam. Entender por que, por exemplo, há um Mentor na Jornada do Herói. Qual o papel dele na história? O que acontece se ele não estiver lá, ou se for diferente?
Conhecer roteiro e entender a razão por trás das regras é o mínimo necessário para criar algo realmente novo.
Você pode até compreender o propósito de certos tropos de forma instintiva, de tanto ler ficção. Mas mesmo assim, não vale a pena estudar, tentar compreender exatamente por que aquela história que você gosta tanto tem aquele efeito em você?
Entender as técnicas e métodos não é trivial, e, realmente, isso pode te limitar, cimentar noções do que é certo e o que é errado na sua cabeça. Mas, para sobrepor isso, permita-se questioná-las. Questione as regras, veja o que você faria de diferente, e veja se faz sentido. Talvez algum ponto da sua história possa ser melhorado por uma noção de roteiro, mas talvez dê pra fazer algo diferente. Não se deixe intimidar pela vontade de escrever algo bom. Permita-se errar, experimentar, e escrever sem muita pressão.
Esforço e Propósito
As inquietações que expliquei ali em cima não são totalmente infundadas. Às vezes, olhando à nossa volta, parece muito mais fácil encontrar grandes obras de escritores que não estudaram as coisas tão afundo do que por especialistas em roteiro. Mas isso é só anedótica. Também porque muito disso é estudo próprio, não vem na forma de um diploma, mestrado, ou qualquer coisa que estaria na biografia do autor.
Como eu já disse mais de uma vez, creio que o primeiro passo para não se frustrar enquanto escreve é definir por que você escreve. Se for por hobby, sem ambições ou tempo para aprender, estudar e perceber quão difícil é bolar um bom roteiro pode realmente te fazer desistir, e arruinar a diversão que você tinha enquanto escrevendo. Se esse for o seu caso, não tem problema continuar.
Ao mesmo tempo, se você quiser escrever literatura comercial, é necessário conhecer todos os tropos do seu gênero, as estruturas mais comuns usadas, e não se frustrar por ter que se adequar a certo formato. Tudo depende do que você quer com a sua escrita.
Mas de uma forma ou outra, estudar e entender roteiros não é só uma forma de melhorar a sua escrita, mas sim de aproveitar melhor histórias no geral. Quem sabe só isso justifique o esforço.
E quando o estudo te desanimar, quando você começar a se convencer que talvez isso seja difícil demais e que pode ser melhor desistir, relaxe um pouco, e permita-se escrever umas palavras ruins.