Eu sempre quis escrever livros.
Não consigo puxar da memória um momento onde eu conscientemente decidi que queria; veio cedo, provavelmente em alguma etapa da pré-adolescência, onde a gente começa a perceber que a vida vai além da escola. No começo eu imaginava que em algum ponto da vida eu pararia e escreveria, paralelamente ao meu emprego de verdade, e quem sabe seria um livro muito bom e eu seria publicado.
Era uma dessas coisas tipo a tríade árvore-filho-livro, coisas a fazer antes de morrer. Mas mesmo com essa noção eu não levava isso a sério. Um pouco por não achar que conseguiria transformar isso numa fonte de renda, num “emprego de verdade”, (muitos dos motivos que discuti aqui), mas muito por não ter muita ideia de por onde começar.
Quando eu cresci mais um pouco, já na adolescência, comecei a pensar mais seriamente sobre isso e cheguei a uma conclusão simples, perfeitamente lógica. “Eu sou só um adolescente que não sabe nada da vida”, eu pensava (o que, estranhamente, vai contra boa parte da adolescência prepotente), “Eu não sei o suficiente sobre a vida pra escrever alguma coisa que valha a pena ser lida.”
A Lógica da Expectativa
Já nessa época eu tinha uma noção de que livros deveriam significar alguma coisa. Eu não podia simplesmente escrever sobre o meu dia, seria terrível. E assim passei anos, meio desistindo, achando que um dia eu teria aquele flash de sabedoria que me diria que eu estava pronto, a minha experiência finalmente era suficiente para criar uma boa história.
E, guiado por essa lógica, eu passei quase a adolescência inteira sem escrever. De vez em quando vazava uma história aqui ou ali, mas eu nunca via futuro para elas, para escrever, a ponto de terminá-las. Eu comecei a ter ideias, muitas que eu considerei tão boas que eu estaria estragando-as escrevendo o livro ruim que eu com certeza escreveria por ser só um adolescente burro.
Eu não lembro exatamente de onde veio a epifania. Talvez do livro do Stephen King, o Sobre Escrita (que eu não consigo recomendar o suficiente), mas pensando bem eu já tinha comprado ele, então a ideia já era mais forte na minha cabeça, mais real do que seria se eu ainda estivesse convencido que não valia a pena escrever um livro.
Porque não esperar
A percepção é simples: escrever não é um talento sobrenatural.
Não é uma dádiva, algo que surge no seu ser em certo ponto e te faz entender onde vão as palavras, como funcionam as histórias. Escrever é uma habilidade desenvolvida, uma perícia, uma prática. Se eu esperasse até achar que tinha algo significativo para passar nas histórias, até acumular experiência de vida o suficiente, eu ainda só teria metade do necessário. Para escrever um bom livro, você precisa, primeiro, saber escrever. E não há como saber escrever sem escrever.
Acho que boa parte disso veio da libertadora sensação de que o que você escreve não precisa ser bom. Se você quer vender, se você quer que te leiam e gostem ok, talvez ser bom seja uma boa ideia, mas se você quer aprender, se você quer entender como as coisas funcionam, você precisa se conformar que você ainda vai escrever muita coisa ruim.
Você precisa desistir da história perfeita que você montou na sua mente se essa ideia te afasta do ato de escrever, te dá medo, o terror de estragar aquela perfeição com a sua inexperiência. Se você quer ser um escritor, quer levar isso a sério, eu sugiro que você perca essas noções. Escreva aquela história incrível que você imaginou, que você planeja a anos sem nunca ter colocado uma palavra no papel. É possível que acabe ficando ótima, e você seja um desses escritores que já no primeiro livro fazem a coisa toda funcionar, mas conforme-se de que é muitíssimo mais provável que não seja exatamente o que você queria, e que, anos depois, você vai olhar de volta para aquilo e pensar “mas que horror”.
Abrace a Ideia Dourada
Falando assim parece uma coisa um tanto deprimente, “prepare-se para falhar”, mas não é bem isso que eu queria passar. O ponto é que começar a escrever, a produzir qualquer tipo de arte, já imaginando que tem que ser perfeito, que aquilo será incrível, é uma excelente receita para o desânimo e a desistência. Então livre-se disso! Escreva para si, pelo menos no começo, sem se preocupar com o que vão achar, com quem vai ler, com como a crítica especializada lidaria com o seu livro. Só escreva, dedique-se, e, no final, veja o que aconteceu.
Se eu tivesse continuado com o meu pensamento de adolescente eu muito provavelmente estaria só escrevendo pequenas crônicas de tempo em tempo, esperando o momento ideal chegar, sem a mínima ideia do quão diferente e mais difícil é tentar escrever um livro inteiro, um pouco por dia.
Então eu digo que, se você passa por essa insegurança, o medo da imperfeição, a melhor hora para começar a escrever o seu livro é agora mesmo. Se ficar bom, ótimo! Se ficar ruim, escreva outro! Não faz sentido segurar aquela ideia perfeita, a ideia dourada que você tem medo de estragar. Ela é só a primeira, entre as várias que você, como escritor, ainda terá.
E você, o que acha? Tem alguma ideia muito boa que nunca colocou no papel? Tem várias? Dá uma chance, relaxa, e vê o que acontece.