Conversamos com Thiago D`Evecque sobre sua rotina de escrita, o processo de publicação, estratégias de divulgação, sua experiência no NaNoWriMo, e muito mais!
Sobre
Thiago é jornalista e escritor independente. Já lançou dois livros, Limbo e Promessa de Fogo, e outros contos. Ele também escreve sobre escrita no seu site, Pequenos Deuses.
Livros Preferidos
Livro de Ficção — “Guia do Mochileiro das Galáxias“, do Douglas Adams
Thiago: É o meu livro preferido, de longe. Junto com Discworld, mas como eu conheci o Guia antes, fico com ele.
Livro de Não-Ficção – “Roube como um Artista“, do Austin Kleon
Thiago: Eu diria que é um livro obrigatório para criadores. É um dos meus favoritos sobre criatividade e inspiração. Ele fala bem diretamente comigo e me identifico demais com as lições práticas e pé no chão do autor. É um livro bem curtinho com coisas que a gente vive esquecendo, mas não deveria. Leio várias vezes para me encher de vontade de continuar criando.
Perguntas
Thiago: Eu não tinha o hábito não. Eu escrevi o Limbo no NaNoWriMo de 2014, eu estava com 27 anos. Escrevo desde criança, na adolescência eu escrevia muita coisa, mas era aventura de RPG. Eu gostava de fazer as aventuras, desenhar mapas, pensar nos ganchos... Mas sério assim, de tentar escrever um romance, só com uns 17 anos.
Só que eu nunca terminei nada, nunca tive o hábito de escrever. Comecei alguns romances, dois ou três, mas nunca terminei. E eu não sabia nada de planejamento, nada de narrativa, então ficava bem difícil escrever só no que eu achava que ia compor uma história.
O meu hábito de escrita mesmo começou com o Limbo.
Ficcionados: E esses livros que você começou a escrever antes do Limbo, você pensou em finalizar eles, ou foi só experiência?
Eu dei uma olhada nesses livros antigos, e assim... É muito ruim, sabe, é difícil de ler. Não que hoje eu seja algum gênio da escrita, mas era bem ruim.
Acho que as histórias até têm salvação... na verdade boa parte de Limbo foi um pouco de adaptação de um desses romances.
A história de um deles era que um meio demônio vivia na terra, e o pai dele, um demônio completo, ia voltar. Aí esse meio demônio tinha que salvar o mundo, falar com as pessoas pra ter ajuda pra derrotar o pai dele. Então o Limbo é mais ou menos isso, não é num mundo de fantasia, mas a ideia central, um pouco dela, veio dessa história.
Eu não pretendo continuar essas histórias, mas não sei né...
Thiago: Essa história do Limbo, de escolher doze almas, apareceu de repente na minha cabeça. E veio com muita força, com muitas ideias.
Como eu falei antes, eu escrevia muita aventura de RPG quando adolescente, e uma das minhas frustrações era não conseguir jogar, eu nunca tinha grupo. Então eu escrevi um monte de aventuras que ficaram na gaveta. E o romance foi um escape pra essas aventuras nunca concluídas. Eu podia escrever uma aventura de RPG e nunca jogar, mas num romance não importa se eu não tiver jogadores. Eu posso botar o livro na frente de um montão de gente.
E a motivação do Limbo foi mais ou menos isso, eu queria escrever um romance até o fim, eu tinha uma história que eu queria muito contar.
Thiago: Eu leio muitos livros sobre escrita. Devo ter lido uns... Cem, talvez? Não sei, tenho mania de ficar lendo esses livros sobre plot.
Eu indico o Sobre a Escrita, do Stephen King, que inclusive é contra fazer um roteiro, ele diz que você deve escrever sem planejar nada... O que eu particularmente discordo, mas os outros conselhos dele são muito bons pra quem tá começando.
Eu gosto bastante do snowflake method, que é um planejamento meio orgânico, algo entre o nada planejado, do Stephen King, e o planejamento mais forte, de planejar cada cena, cada detalhe. É o que eu tenho usado ultimamente. No site do autor tem todos os passos de forma gratuita, e tem uma tradução também.
Recomendo muito também o Save the Cat, livro do Blake Snyder, que é sobre roteiro de cinema, mas as dicas funcionam pra qualquer método de narrativa. Pra mim é o melhor livro de estrutura que tem, ele conta todos os pontos-chaves da história. Momento sombrio, primeira virada... Gosto bastante do método dele.
Eu vou recomendar só mais um porque senão vou ficar o dia inteiro aqui falando: o Fantasy Fiction Formula, da Debora Chester. A introdução do livro é do Jim Butcher, autor do Harry Dresden; ela foi a mentora dele. O método dela é muito bom, é o único livro que você precisa se você quiser escrever uma fantasia, do começo ao fim. O livro é específico pra esse gênero, e é cheio de exemplos. Explica tudo, desde plot, enredo, personagem, cenas de ação e reação... É um livro fantástico.
Thiago: Eu já conhecia o NaNoWriMo pela internet, de ficar procurando dicas de escrita. Devo ter conhecido um ano antes de participar, mais ou menos.
E, assim, eu gosto de planejar antes de escrever. Mas sempre muda, tudo muda, o final de Limbo ia ser completamente diferente, tinham alguns capítulos que nem estavam no planejamento... E quando as coisas mudam eu acho importante deixar mudar. Se surgirem escolhas melhores do que as que você planejou, fica muito mais interessante você deixar as coisas mudarem.
Então eu planejei o Limbo em capítulos; na história, cada capítulo o protagonista encontra uma alma, e cada uma dessas almas representa alguma coisa. Então eu planejei o que cada alma deveria representar, e só depois eu procurei personagens da mitologia pra encaixar nessas representações. Então alguns personagens talvez nem sejam os melhores para o que representam, mas para o romance foi o que eu escolhi e acho que ficou legal assim. Também mudei um pouco a personalidade dessas almas.
E a preparação foi só essa, eu preparei até o final – que, como eu mencionei, mudou muito – e a experiência foi maravilhosa, foi muito legal descobrir que eu era capaz de escrever um romance em um mês, mas foi muito cansativo. Eu não tinha nenhum hábito de escrita, eu não escrevia todo o dia, não fazia ideia do que era necessário para terminar um romance. Então ficar escrevendo a média de 1660 palavras por dia foi muito cansativo. Eu não planejei muito, e as coisas mudavam durante a escrita... E eu terminava só à noite, e ficava cansado, como se tivesse malhado o dia todo.
Foi muito bom pra descobrir o que é preciso pra terminar um livro, a disciplina de escrever. Uma coisa que eu tive que deixar de fazer pra conseguir e que eu gosto muito, é ler. Acaba tirando muito do seu tempo. Tirar as outras coisas pra mim foi fácil, eu não estava vendo muita série de televisão, e nem jogando muito videogame, que são duas coisas que eu faço bastante. Então o que eu tive que tirar mesmo foi a leitura, e no começo, na primeira semana principalmente, você sente bastante falta de ficar lendo.
Eu ainda lia um pouco aqui e ali, mas mais pra pegar inspiração pra minha escrita. Eu gosto bastante de Discworld, a série do Terry Pratchett, e eu leio bastante pra me inspirar. Eu gosto bastante da escrita dele e quanto mais a minha escrita ficar parecida com a dele mais feliz eu fico, eu não tenho muito isso de esconder a minha inspiração.
Thiago: Escreve e não faz mais nada. Você só vai conseguir vencer o NaNoWriMo se você levar bem a sério. Quando eu participei eu tirei férias do trabalho, e eu não fazia mais nada no dia até terminar a meta. Tinha dias que eu não conseguia, mas a maioria dos dias eu escrevia mais do que as 1660 palavras.
Então separa tempo pra escrever e não faz mais nada. E uma coisa que me ajuda e acho que ajuda muita gente é planejar a história. Planeja tudo, até o final, mesmo que mude, não tem o menor problema.
E planeja sempre o que você vai escrever no dia seguinte. Alguns pontos abrangentes, só pra você se lembrar.
Ficcionados: Acho que era o Hemingway que dizia que ele parava de escrever no momento que ele já sabia o que ia acontecer em seguida, pra nunca travar...
Thiago: É, dizem que ele até parava no meio de uma frase! Eu normalmente parava quando terminava um capítulo, mas isso dava uma preguiça de continuar... Tinha acabado aquele capítulo, bonitinho, e aí tinha que começar um novo...
Thiago: Demorou alguns meses. Eu escrevi Limbo em novembro de 2014 e só publiquei em junho de 2015. Eu editei tudo; li do começo ao fim, revisei, adicionei várias coisas... No meio do caminho, por exemplo, o protagonista se machuca. Aí chegava lá na frente e as feridas sumiam. Então eu tive que voltar nessas revisões e mudar isso. E você pensa que são coisas tão idiotas, tipo a cor do olho do personagem que de repente muda, mas acontece, você tem que prestar atenção.
Depois eu pedi pra fazerem a capa, quem fez a capa foi a Marina Ávila, que é uma capista profissional, trabalha pra várias editoras... Recomendo muito contratar um capista profissional pra fazer uma capa pro seu livro.
Depois eu mandei pra uma profissional para editar o livro e fazer uma revisão.
Acho que foi só isso. Eu acho que demorei demais porque fiquei com um pouco de medo também, de publicar o primeiro livro. Eu não tinha plataforma, eu não tinha nada a perder, mas mesmo assim dá medo, é a sua imagem e tal. Mas é um medo completamente irracional. É o preço de ficar na arena e não na arquibancada.
Thiago: Minha ideia foi sempre publicar independente, eu até cheguei a enviar pra alguma editora, não lembro qual... Mas o principal motivo pra eu não ter enviado pra mais editoras é que o processo deles é muito arcaico. Algumas editoras não aceitam envio digital, você tem que imprimir o seu livro e enviar... Sabe, 2017!
E outro problema é que eles não dão resposta. Sabe, você pode ficar ali, dois anos, esperando, nem sabendo se o livro chegou lá. Mas a minha ideia sempre foi publicar independente.
Thiago: O mercado de ebooks lá fora, nos Estados Unidos, é muito bom. Aqui ainda se vende pouco e-book; quero dizer, acontece, mas não tanto quanto lá fora. Lá fora tem autor que vive só de Amazon.
Mas eu não sei, eu fico pensando “pô, eu devia estar escrevendo outro livro em vez de ficar no Limbo ainda”. Acho que Limbo já foi, eu não penso em escrever continuação, eu até escrevi o Contos do Limbo, pra dar um pouco de graça pra quem quisesse conhecer o Limbo e conhecer a minha escrita também.
Então eu fico pensando nisso quando penso em tradução, mas eu sempre fico na dúvida, no “será que vale a pena...?”. Não é um nunca, não é um não, é um não sei. Eu mesmo traduzir acho que não, agora contratar alguém pode ser, mas eu fico pensando que vai ser muito caro...
Thiago: O meu plano foi mandar pro maior número de pessoas com o interesse em ler. Eu entrava em contado com os blogs, falando que era sou um autor independente, começando agora, perguntava se eles estavam interessados em ler o meu livro, e enviava uma sinopse. Não mandava o livro de cara. Que ódio eu tenho de gente que faz isso comigo. E eu sou autor, eu não sou nem blogueiro nem nada! Aí vem gente no facebook, ou mandando e-mail, sabe, mandando o livro como se eu já quisesse ler... Falta muito bom senso no marketing.
Então eu ia perguntando se as pessoas tinham interesse, e fiz isso com dezenas, de blogs. Foram poucos que me responderam. Eu não sei por que, se alguns ficam abandonados, se o e-mail vai pro spam, se não têm interesse em responder, não sei. E os que mandavam de volta eu enviava o Limbo, ia pedindo resenha, e foi só isso o meu marketing.
Eu divulgava bastante pelo twitter, eu mexo mais no twitter do que em qualquer outra rede social (eu nem tinha facebook quando eu lancei o Limbo). No twitter eu ficava postando, e conversando com os leitores, conversando com quem tinha interesse em ler. Aquele tipo de marketing mais pessoal, sabe.
Eu fiz também uma publicação paga, no site Nuvem Literária, que foi bem legal, ela fez até sorteio com o Limbo. Acho que foi bem interessante, chamou bastante gente. Vale bem a pena escolher um lugar certo assim, que tem bem a ver com o seu público alvo.
Ficcionados: Só colocando na Amazon ela também ajuda a fazer divulgação, ela manda e-mails sugerindo livros parecidos com as suas compras passadas...
Thiago: É, verdade. Mas o problema da Amazon brasileira é que ela ainda não tem o sistema de propaganda pago que tem na Amazon americana. Se isso vier pro Brasil vai ajudar ainda mais. Mas a Amazon já ajuda bastante, principalmente se você conseguir sair na newsletter dela... O Limbo saiu uma vez, vendeu pra caramba, dei bastante sorte.
Thiago: A primeira coisa é que aquele meu medo, de passar vergonha, era irracional. A maioria das pessoas não vai te odiar, ou coisa assim; a maioria das pessoas não se importa com o que você faz. Você tem que lutar muito pra ser percebido, pra ganhar seu espaço. Eu até hoje faço isso, eu ainda não ganhei o meu espaço. Meu público é bem pequeno, pequeno mas maravilhoso.
A publicação independente dá muito trabalho, você tem que ser o escritor, o marqueteiro, o massagista... Você tem que ser tudo.
O medo que você tem que ter não é de passar vergonha, é de não ser percebido nunca.
Thiago: Hoje eu tenho um horário fixo pra escrever, escrevo de manhã e à noite. Acho que a produtividade, comparado com quando escrevi Limbo, caiu, mas naquela época foi tipo... A estrela cadente; vai rápido, e depois some. Eu escrevi Limbo em um mês e depois parei por muito tempo, aquilo me esgotou completamente.
Então agora eu escrevo num período certo de tempo, se as palavras vêm, ótimo; se não vêm, ótimo também. O importante é que eu separei aquele tempo só pra escrever.
Então digamos que você separa uma hora, das 9 às 10, pra escrever. Naquela hora você vai ficar ali, olhando pro seu manuscrito e pensando na sua história. Isso é o mais importante, eu acho; aprender a lidar com o tédio do “bloqueio”, continuar ali, sem fazer outra coisa, pensando na história. Mesmo quando as palavras não vêm.
Então a produtividade caiu, mas eu criei o hábito, ele se solidificou.
Thiago: Eu sempre falo alguma coisa diferente quando me falam isso, sabe. Eu acho que tem muita coisa boa pro escritor iniciante.
Então o que eu vou falar hoje é pra você, se está começando, terminar o que está escrevendo. Não fique caçando a próxima ideia maravilhosa que surge na cabeça, porque, no começo, toda a ideia é maravilhosa.
A próxima ideia vai ser sempre mais legal e mais brilhante. Quando você chega no meio do que você está escrevendo você percebe que o entusiasmo vai diminuindo e o que sobra é trabalho pra fazer. Então quando você pensa na próxima ideia você pensa “pô, mas essa é muito mais legal, eu tô muito mais inspirado, vou escrever isso aqui”. E aí você escreve, chega na metade e vai acontecer a mesma coisa, vai ter outra ideia.
Então a dica é terminar o que você está escrevendo, mesmo que pareça chato, ruim, a pior coisa que você já fez na vida e todo mundo vai te odiar. Termina sempre o que escrever.
E nada te dá uma motivação tão grande quanto escrever um romance. Você aprende muito sobre romance, sobre personagem, e sobre você mesmo, sobre seus hábitos de escrita, sobre como que você tem que se preparar.
Ficcionados: Uma coisa legal de comentar é que a Laura Bacellar, na entrevista que fizemos com ela, falou que falta pros escritores brasileiros, e isso se aplica muito a fantasia, parar de simplesmente imitar o que tem lá fora, e trazer um pouco do que é ser brasileiro pro nosso livro. Por mais que você escreva fantasia, como Limbo, devia botar algumas particularidades brasileiras no livro. E enxergamos que você faz isso no humor, em um humor brasileiro, que tá bem presente no seu livro.
Thiago: Eu fiz isso na série Abismo principalmente com os nomes. Os nomes, quando você lê fantasia, são aqueles troços horríveis cheios de apóstrofes, “H’akalakazar” e tal (risos). Não que seja horrível, mas é algo que tá vindo claramente idade média europeia. O Promessa de Fogo é uma fantasia alta, com o mundo todo criado, mas os nomes são abrasileirados. Por exemplo, tem a caatinga, o nome do rio é Verdão, tem o vilarejo Timóteo...
Ficcionados: Os personagens principais também: Alicia, Matilda, Bento...
Thiago: Isso! E o pessoal faz uns nomes como se fizesse sentido em português. Por exemplo, a Alicia. Aí colocaria “Alicia Sharpblade”. Isso é muito ruim, cara! (risos)
Eu não sei por que fazem isso, sinceramente.
Obrigado pelas respostas e por partilhar suas experiências, Thiago!
Se você ficou curioso em conhecer o trabalho do Thiago, Promessa de Fogo é o seu livro mais recente, o primeiro da série Abismo. Com personagens envolventes e um sem fim de elementos fantásticos (espadas, magia, demônios, dinossauros e vilas pacíficas), o livro acompanha o início da jornada de Alicia, depois que eventos traumáticos despertam um lado poderoso e cheio de ódio nela.