Conflitos são os obstáculos que as personagens precisam enfrentar para ter seus objetivos atendidos.
Eles são o principal recurso para mostrar ao invés de contar. Não diga que o protagonista é forte, coloque-o em um conflito onde ele possa usar a força. Não diga que o antagonista é colérico, coloque-o em um conflito onde ele possa exprimir toda sua fúria.
Ademais, são os conflitos que movem a história para frente. E essa sensação de progresso é o fator mais importante para manter o seu leitor virando as páginas. Claro que saber construir cenários e personagens é fundamental, mas são os conflitos que permitem colocá-los à prova. Os conflitos os relacionam, os testam e os confrontam. Do resultado, então, é que o progresso é feito.
Em linhas gerais, os conflitos possuem dois grandes objetivos:
1. Gerenciar a tensão
A tensão é criada pela quantidade e pela profundidade dos conflitos. E gerenciá-la significa diversificar o uso deles. Não é todo o conflito que precisa ser profundo, e você não precisa manter o protagonista lidando com vários o tempo todo para sustentar o interesse na trama.
Ainda assim, se sua história estiver muito parada, provavelmente está faltando conflito. E se sua história estiver muito saturada, difícil de digerir, pode ser que você esteja abordando conflitos demais ao mesmo tempo. Nesse caso, dê um descanso ao leitor.
É importante saber administrar os altos e baixos. Enquanto a alta tensão vicia, os momentos de baixa ajudam a preparar e a enfatizar os de alta.
2. Desenvolver Personagens
Apesar de tudo, os conflitos nada seriam sem as reações das personagens. Cada um deles, por menor que seja, é uma oportunidade de mostrar quem suas personagens são e em quem elas estão se transformando.
Por maior que seja a expectativa do conflito, o que define se o resultado foi ou não satisfatório é a maneira como as personagens lidam com eles.
Aqui você ficar atento para duas coisas: saber qual traço de personalidade você quer enfatizar, e saber se a reação foi congruente com isso.
É legal se perguntar com frequência se você está tirando o máximo dos conflitos. Será que você escreveu algum só pra “cumprir tabela”? Se não, por que você o inseriu na trama? Ele está valorizando o seu mundo e as suas personagens?
Se achar que falta algo ou que dá para ficar melhor, comece analisando os tipos de conflitos em uso. Diversificando o tipo, você pode descobrir outra maneira de entregar o que planejava.
Conflitos Internos e Externos
Essa classificação remete à origem da força de oposição. Ela pode ser tanto interna à personagem, referente a problemas emocionais e psicológicos, quanto externos a ela, referente a algo que esteja no ambiente.
Embora seja importante pensar em conflitos sob esse ponto de vista, procurando sempre equilibrar os dois, é difícil isolá-los completamente. Um conflito interno possui uma consequência externa e vice-versa. E é essa dinâmica que ajuda a criar a profundidade do enredo.
Escapar de uma ponte pênsil prestes a desabar é, sem dúvida, um conflito externo. Mas se isso conseguiu despertar o lado corajoso adormecido na personagem, houve um reflexo interno.
Pode ser também que a personagem luta contra a decisão de trair ou não um suposto aliado, porque, embora ele tenha provado que suas intenções não sejam boas, ela o ama. Apesar dessa dualidade ser um conflito interno, o ato da traição será externo.
Tipos de Conflitos
1. Personagem contra Personagem
Uma guerra de braço, um duelo de pistolas ou um bate-boca. Um dos lados pode ser representado tanto por um indivíduo quanto por um grupo, e o embate pode ser tanto físico quanto psicológico.
É esse o conflito principal da grande maioria dos romances. Seja Harry enfrentando Voldemort, seja os cinco exércitos lutando ao pé da Montanha Solitária. Isso sem esquecer dos jogos mentais, como entre Clarice e Hannibal em O Silêncio dos Inocentes, ou entre Nick e Amy em Garota Exemplar.
2. Personagem contra Natureza
Um animal selvagem, o clima severo, a falta de comida ou qualquer adversidade imposta pela natureza. O próprio título de O Velho e O Mar já anuncia os dois lados do conflito que marca o livro inteiro. Pode ser também encontrado na eterna busca do capitão Ahab pela Moby Dick, ou no drama vivido por Aron Ralston em 127 horas.
3. Personagem contra Sociedade
Um governo tirano, um preconceito, a adaptação a uma nova cultura ou qualquer outro confronto que evidencie um padrão social. A personagem pode tanto sucumbir a ele, como em 1984, rejeitá-lo, como em Dança com Lobos, ou transformá-lo, como em Jogos Vorazes.
4. Personagem contra Si Mesma
É aqui que os conflitos internos se encaixam. Mesmo que eles sejam causa ou consequência de um externo que caia em outro grupo, a luta interna é sempre contra si mesmo. Os livros que trazem esse tipo conflito como principal geralmente giram em torno de uma importante decisão da personagem.
Isso pode ser visto na procura por uma vocação em O Apanhador no Campo de Centeio ou no isolamento em O Lobo da Estepe. Nesses dois exemplos o reflexo externo é um conflito contra a sociedade.
Interessante também é O Médico e O Monstro, em que um dos reflexos externos continua sendo a personagem contra si mesma.
5. Personagem contra O Sobrenatural
Um monstro à solta ou um terror inimaginável, é algo que foge à compreensão natural. Muitos o consideram como um caso especial do conflito contra a natureza. É o atrativo de uma boa parte dos livros de horror, como em A Coisa ou O Chamado de Cthulhu.
6. Personagem contra Tecnologia
Uma inteligência senciente, uma arma nuclear ou uma máquina do tempo. É comum que a tecnologia seja usada para evidenciar um conflito maior do que ela, muitas vezes ligado à própria sociedade. Isso pode ser visto em Admirável Mundo Novo ou Farenheit 451.
Ainda assim, um conflito direto com a tecnologia aparece com HAL 9000 em 2001:Uma Odisseia no Espaço ou com os robôs nos contos de Eu, Robô.
7. Personagem contra O Destino
Uma profecia, a própria sorte ou qualquer outro confronto originado por forças maiores. Embora alguns o coloquem em sua própria categoria, ele sempre é mostrado através de um dos tipos acima. Em A Batalha do Apocalipse, por exemplo, temos o Dia do Juízo Final como convergente de todos os confrontos, mas as lutas principais são de personagens contra personagens.
Pensamentos Finais
Os exemplos dados foram de livros que trazem aquele conflito como mais evidente, mas você já deve ter percebido que muitos deles oscilam entre mais de um tipo. Mesmo que você eleja um como principal, explore os outros em seus conflitos secundários.
Os secundários são importantes para aprofundar o cenário e dar novas dimensões às suas personagens. É difícil explorar esses dois elementos a fundo se todo o conflito for uma batalha épica entre o bem e o mal.
Há ainda algumas dicas úteis de como apresentar os conflitos, mas isso eu deixo para próxima semana… Até lá!