E então você sentou para escrever. Não se sentia muito inspirado, mas o horário costumeiro, seu ritual pessoal ou qualquer outro gatilho o fez arregaçar as mangas. O seu lado escritor foi convocado e as palavras começaram a sair com facilidade. Você já escreveu três frases, um parágrafo, uma página…
Resistência.
Talvez você a tenha sentido chegando aos poucos, enquanto seus dedos terminavam de digitar a última sentença pensada e a sua mente já vagava por outro lugar; pedia um descanso, uma pausa rápida, uma distração momentânea. O fluxo fora interrompido e o raciocínio, perdido.
Pois bem, ficcionado, se quiser saber como contornar essa situação, está com sorte: acabou de encontrar o artigo certo! o/
Resistência x Bloqueio
Antes de mais nada, gostaria de esclarecer um ponto importante. Eu enxergo a Resistência aqui descrita diferente do famoso “bloqueio de escritor”.
Você pode pensar na Resistência como uma variante da preguiça.
Há a resistência inicial, aquela que lhe impede de começar a escrever. Essa pode ser a mais forte delas, porém é também facilmente enfraquecida com os gatilhos do hábito, já comentados no artigo passado.
Mas, então, quando o embalo já foi dado, aparece a resistência ao movimento em si. Agora ela é um pedido de descanso, é a sua mente clamando por um tempo de baixo esforço cognitivo (Kanehman aqui!).
Muitas vezes, você até sabe como continuar o texto, só que pára de digitar por simples “cansaço”; mesmo que não se sinta realmente assim.
“Caramba! Eu comecei a escrever faz dez minutos, como é que já posso estar cansado?”.
É aquela procura por uma brecha por onde a procrastinação possa se instalar. O seu gatilho pode ser forte o suficiente a ponto de enfraquecer a sua parte procrastinadora, porém ela não se dará por vencida apenas porque não conseguiu impedi-lo de começar a tarefa…
Por outro lado, o bloqueio é algo mais delicado, é o extremo oposto da inspiração. Você encara a página em branco ou um ponto final, ou simplesmente a barra horizontal piscando e esperando por uma entrada do teclado, só que nada lhe vem à mente. É um desespero silencioso. Um vazio arrebatador. Uma frustração desoladora.
Irei tratar do bloqueio futuramente, mas, por ora, voltemos nossa atenção à Resistência.
As Características da Resistência
É claro que ela não está presente apenas na escrita. A bem da verdade, está por todos os lugares, em qualquer atividade. Como Steven Pressfield define em seu livro “A Guerra da Arte”, a Resistência é aquilo que separa a vida que se vive da vida não-vivida, da que gostaríamos de ter, mas…
Toda a primeira parte de “A Guerra da Arte” é justamente para definir a Resistência. Baseado nesse livro, irei levantar as características que julgo ser mais importantes:
A Resistência é uma força interna, aquela voz sem som que ressoa em sua mente aliciando-o a largar a tarefa, deixá-la para depois…
A Resistência conhece suas fraquezas e tentará lhe persuadir com os mais diversos discursos: “Nossa, você já escreveu 300 palavras! Eu sei que a meta era chegar nas 500, mas essa 300 já estão tão boas… acho que você merece um descanso…” A respeito, Steven Pressfield diz: “Uma coisa é mentir para nós mesmos. Outra é acreditar na mentira.”
A Resistência não o abandonará com o tempo, mesmo com um hábito consolidado, mesmo depois de anos praticando. Embora sua técnicas sejam refinadas e a batalha torne-se mais fácil, não se iluda: ainda assim esta é uma batalha diária.
A Resistência é mais forte na reta final, então nunca ache que o jogo está ganho.
A Resistência aparece principalmente sob a forma da procrastinação. É mais simples convencer a nós mesmos de que vamos começar a escrever aquele livro apenas amanhã do que admitir que nunca vamos escrevê-lo.
A Resistência pode vir também sob a forma do medo e, assim, o paralisa. Só que esse pode ser um indício positivo: se iniciar a escrita daquele romance lhe deixa amedrontado, é bem provável que aqui está uma grande oportunidade de crescimento. Se o trabalho não lhe significasse nada, o medo não apareceria.
A Visão do Profissional
A maneira mais eficiente de combater a resistência é tornando-se um profissional.
Como assim?
Já havia dito escrito que a consistência é a primeira barreira que separa profissionais de amadores. Comentei isso porque escrever (ou fazer qualquer outra atividade) com consistência significa justamente que você rompeu a Resistência. Ou seja, ser profissional significa superá-la.
Profissional não é necessariamente alguém que já tenha masterizado uma arte, assim como amador não é necessariamente alguém que não domine uma.
Ser profissional é uma questão de postura: ele leva sua atividade a sério e está comprometido com seu amadurecimento, sempre a procura de melhorias.
Mas esse ainda é um panorama muito genérico.
Para se tornar um profissional é preciso conhecer quais são as características sutis que o definem. Então, quanto mais perto desse modelo você estiver, mais profissional será e mais fraca a Resistência se manifestará. Segundo Pressfield: “A Resistência detesta que nos tornemos profissionais”.
Assim, novamente me baseando em “A Guerra da Arte”, ser profissional também significa:
Ser paciente. O profissional sabe que o retorno pode demorar a vir e está disposto a trabalhar com afinco e consistência, independente de uma gratificação imediata.
Ser humilde. O profissional reconhece que não é infalível e nem sabe de tudo; assim, está sempre apto não só a reconhecer seus erros, como também a pedir ajuda aos que sabem mais que ele.
Buscar a ordem. O profissional se organiza, pois sabe que o caos dá força à Resistência.
Reagir diante do medo. O profissional sabe que a coragem não nasce da ausência do medo, e sim de sua capacidade de continuar em frente mesmo amedrontado.
Enfrentar as condições com que se depara. O profissional lida com a situação conforme ela seja apresentada a ele, mesmo que injusta, e jamais a utiliza como uma desculpa para impedi-lo de avançar.
Distanciar-se de seu trabalho. O profissional separa o eu que se dedica ao trabalho do eu que o analisa e que vive o resto de sua vida. Ele sabe que não é o seu trabalho e, portanto, não se abala com as críticas negativas nem com os fracassos; apenas usa-os para o seu amadurecimento.
Dicas Práticas para Superar a Resistência (e Proteger a Rotina)
Acredito que modelos são importantes por nos fornecerem uma direção, por nos mostrarem alternativas que não conseguimos enxergar sozinhos e, é claro, para serem então modelados e ajustados às nossas características individuais.
Pode ser que você reflita tão a fundo sobre o modelo de profissional levantado acima que se transforme em um do dia para a noite, que passe a não tolerar mais o amadorismo e a Resistência que ele traz consigo. Nesse caso, é provável que sua força de vontade só estivesse mesmo precisando de uma direção.
Por outro lado, apenas por ter um modelo não significa que ele será facilmente aplicável.
Independente dele, há algumas atitudes que você pode tomar enquanto estiver escrevendo para dificultar que a Resistência se instale. Sim, são atitudes completamente congruentes com a postura de um profissional:
Reserve um tempo exato para o seu trabalho e bloqueie-o. Se você estiver usando o gatilho do horário, já possui uma hora acertada para iniciar as atividades; porém é interessante também se programar para encerrá-la. Separe esse bloco de tempo de sua agenda diariamente e marque-o como território sagrado: jamais ouse utilizá-lo para algo que não seja a escrita.
Planeje o que vai fazer. Já toquei nesse ponto outras vezes (a meta diária das 500 palavras), mas achei importante citá-lo novamente. Se você separou duas horas para se dedicar à escrita, tenha em mente o que você pretende ter feito ao fim desta seção de trabalho. Isso não só o manterá com a cabeça à frente, como também refinará sua capacidade de estimar seus prazos pessoais. Um profissional reconhece o tempo que leva para realizar seus afazeres.
Isole-se. Realize o seu trabalho sozinho, sem contato a qualquer fragmento do mundo exterior a ele. Isso não significa apenas dizer não às interrupções de seus colegas de trabalho (ou a qualquer outra pessoa que compartilhe o mesmo ambiente em que você esteja trabalhando), mas também dizer não às redes sociais e qualquer outra forma de comunicação online (sim, incluindo emails). O melhor é destinar um tempo específico, antes ou depois do seu trabalho principal, para checar os emails e se atualizar com seus colegas.
Tenha tudo o que precisa ao alcance de suas mãos. Se precisar fazer uma pesquisa em algum livro, checar anotações antigas ou algo que necessite de um material físico, deixe-o por perto antes de começar. Um bloco de folhas limpas pode ser útil; uma garrafa de água ou uma caneca de café também. Se for trabalhar por bastante tempo e sentir que vai precisar de algo para beliscar, umas barras de cereais podem ser uma boa. Enfim, deu pra pegar ideia: evite deixar o local de trabalho a menos que seja mesmo necessário.
Não seja multitarefa. Não, nem tente. Isso é falsa produtividade. Talvez você pense em escrever no trabalho enquanto faz umas planilhas, mas, na melhor das hipóteses, isso vai lhe fazer perder tempo; na pior, isso vai lhe custar qualidade. Já li alguns livros sobre gerenciamento de tempo e todos eles batiam nesse ponto: podemos focar em apenas uma coisa ao mesmo tempo. Ser multitarefa significa, na verdade, alternar entre tarefas e, adivinha só, precisamos de tempo para mudar o nosso foco e se acostumar com outra tarefa; logo, ficar alternando entre duas (ou mais) fará com que seu cérebro apenas fique procurando por um novo foco a todo instante.
E agora?
Um dia de escrita bem-sucedido é o dia em que eu sofro pela manhã e me divirto à noite” — Paulo Coelho
Citei bastante o Steven Pressfield aqui e com certeza recomendo a leitura de “A Guerra da Arte”. Apesar do livro referir-se à arte como qualquer atividade em que se busca maestria e tratar o profissionalismo dentro de qualquer atividade, a carreira que o autor construiu foi em cima da escrita. Assim, mesmo que os exemplos de sua vida possam ser válidos para qualquer um, são ainda mais fortes para escritores.
Logo no início do livro, o autor descreve seu dia de trabalho bem-sucedido, que é, de uma maneira concisa, semelhante à definição do Paulo Coelho aqui em cima. Ainda assim, com base no que foi tratado nesse e nos últimos artigos, vou encerrar reforçando essa ideia:
Pois bem, você preparou o local de trabalho com todo o cuidado que sua atividade merece; principalmente, preparou a sua mente para o que viria a seguir. Hoje pode ser que haja uma estrada boa pela frente, ou um campo de batalha mordaz; só que você não está pensando nisso, apenas no que será feito independente do terreno encontrado.
Então sentou-se para escrever. Venceu a resistência inicial, a mais difícil. Claro, contou com a ajuda do hábito e de seus gatilhos, facilitou o processo. Agora se pôs em movimento. Ganhou embalo. A inércia está a seu favor, Newton já nos assegurou disso com sua Primeira Lei.
Mas sabe que apenas porque é mais fácil manter-se em movimento, não significa que forças contrárias não possam pará-lo. Por isso permaneceu atento às resistências que surgiam ao longo da rotina. Você as sentiu, porém não sucumbiu a elas. Não alimentou a voz em sua cabeça clamando por uma olhada rápida no celular ou uma conferida nos emails; evitou as interrupções magistralmente.
Sua hora de encerramento chegou. Pode ser que tenha atingido sua meta, ou pode ser que a tenha subestimado; tudo bem, você é paciente e sabe que pode levar tempo para refinar suas previsões. O importante é que hoje você venceu a Resistência, com ou sem inspiração. Não deixará os resultados precários afetá-lo negativamente, nem deixará os bons fazê-lo baixar a guarda; sabe que amanhã é uma outra batalha.
Hoje você foi um profissional.
Em seguida, você terá que lidar com outros compromissos, porém não se esqueça de tirar um tempo para aliviar a mente e se divertir. Recarregar as energias é fundamental para se manter à frente da Resistência amanhã.
E, então, você estará preparado?