Demorei anos para sequer considerar que viver de escrever ficção era uma opção válida.
Escrever não podia ser fácil, podia? Se fosse, todos estariam escrevendo. Eu conheci só uma escritora na vida, quando era bem pequeno, e se eu me lembro bem aquela não era a ocupação principal dela. Eu olhava os livros nas livrarias e só havia nomes estrangeiros. Eu lia fantasia, ficção científica, livros de ação e aventura… E não conhecia nenhum brasileiro que tinha dado certo nisso. Era óbvio que eu não pensava que era uma escolha viável na vida.
Eu tinha essa série de preconceitos na cabeça, inclusive um dos fortes e difíceis de encarar até hoje: brasileiro não escreve boas fantasias. No máximo o brasileiro sabe escrever ficção mais realista, como o que escreveram nomes como Érico Veríssimo e Machado de Assis. Se algum brasileiro quiser escrever O Senhor dos Anéis, esse cara vai fracassar.
Demorei tempo para questionar esses preceitos, já no final da adolescência. Acho que nessa época eu já estava perdido, e não sabia. Eu amo escrever. É algo que faço tão naturalmente que percebi que, ganhando ou não pra isso, eu farei até o final da vida. A lógica era simples: se eu vou ficar escrevendo no meu tempo livre, bom, para sempre, por que não tornar isso uma ocupação estável? Por que não viver disso? E a primeira resposta veio fácil: porque não dá.
A Temível Análise dos Números
Mas não dá mesmo? Eu procurei dados, fui atrás, e descobri que a internet brasileira é extremamente pessimista com isso. E, se você fizer uma análise fria, é óbvio que o resultado será pessimista. Vamos lá:
Você demora um ano pra escrever um livro, digamos. No ano 1 você parte de não ter nada a ter um original revisado, que você tem convicção que pode ser mostrado pra profissionais, algo que você poliu ao máximo, que várias pessoas leram e concordaram que tem valor.
Aí você manda isso pra uma editora, e ela demora seis meses para te responder. Ano um, mês seis, e, se você for bom e tiver bastante sorte, vão querer publicar seu livro. Excelente! A editora compra os direitos, você assina o contrato, e passa mais um tempo, digamos mais seis meses, em todo o processo de revisão profissional, edição, fazer a capa, imprimir, checar, fazer a impressão final e distribuir pra todas as lojas. Se a editora estiver confiante (outra vez, sorte) vão imprimir uns dois mil livros.
Ótimo! Ano dois e você está com o seu livro na prateleira. Se você tiver sorte (já que, lembre-se, você é um autor estreante e ninguém ouviu falar de você, além da editora quase não investir em propaganda), você vai vender esses dois mil livros em um ano. E lembre-se que isso é difícil: em 2016, se você vendesse 16 mil livros, você teria um dos 20 livros mais vendidos no ano todo (isso num país com mais de 200 milhões de habitantes).
Seu livro custava 40 reais na livraria. Você ganhava 10%. Matemática básica e voilá! Em três anos o seu esforço de escrita te rendeu R$ 8000. Dividindo por mês, 220 reais de “salário”. Nem um quarto de salário mínimo. E isso se você tiver MUITA SORTE; caso contrário, você sequer vai ser publicado, ou você não vai vender, e nem isso vai ganhar.
Um Caso Perdido?
Não vou mentir. Essa análise aí tem muito de verdade nela. O brasileiro médio lê pouco, e, consequentemente, compra pouco livro. Olhando pra esses números realmente parece um caso perdido, parece que é melhor desistir mesmo e arranjar um emprego de verdade.
Mas calma lá. Tem muita coisa errada aí no meio. Vamos por partes:
Para mim, demorar um ano inteiro pra escrever um livro já parece muito. Estamos pensando em viver da escrita, não escrever no seu tempo livre. Ocupar aí uma jornada de trabalho escrevendo: seis, oito, dez horas. Muito tempo, você achou? Quanto tempo você não gastaria num “emprego de verdade”?
Neste ponto você pode argumentar que escrever um livro por ano já é muito: há vários exemplos de autores de sucesso que escrevem menos que isso. O George R.R. Martin anda publicando seus livros a cada cinco ou seis anos. A Susanna Clarke demorou dez anos pra escrever seu romance de estréia. Eles estão errados?
Aí entra uma questão de objetivos: você quer escrever o melhor livro possível, ou você quer viver da escrita? Fazer os dois ao mesmo tempo é muito difícil; possivelmente só dá certo para quem já fez sucesso antes, já tem uma reserva financeira boa o suficiente para sustentá-los por anos enquanto trabalham na sua obra. Ou isso, ou têm outra ocupação, que ocupa boa parte do seu tempo. Pelo menos no começo, parece inviável financeiramente demorar muito para escrever seus livros; e se aquela história que você demorou cinco anos pra escrever não vender, como você vai pagar o aluguel?
Voltando, então, a ideia é ocupar uma jornada de trabalho escrevendo. Digamos que você consegue, depois de estabelecer uma boa rotina, escrever duas mil palavras por dia, duas mil palavras boas. Isso varia muito de pessoa pra pessoa; tem gente que pode achar muito, tem gente que pode achar pouco. Eu mesmo usualmente consigo escrever umas mil, e isso no tempo livre (depois de anos anos se acostumando com a rotina). Acho que essa é uma estimativa legal.
Nesse ritmo, em três meses você tem aí 180 mil palavras: dependendo da formatação, um livro de quinhentas páginas. Você gasta mais dois meses em revisão e reescrita, dá uma polida e manda pra gente que você confia ler. E não espera: começa a escrever mais um. No final de um ano dá pra ter dois livros de tamanho razoável prontos, e isso que 180 mil palavras é um baita livro. Se você escrever histórias mais curtas, com 60, 70 mil palavras, aí eu já miraria mais alto.
Então legal, no final de um ano você tem dois livros prontos. Você manda eles pra editoras, que vão levar aqueles seis meses pra te responder. E o que você faz enquanto isso? Escreve mais. Esquece aqueles livros que você mandou, se concentra no futuro. Quando a editora te responder, você já tem outro original pra mostrar pra eles.
E no ano dois, quando os seus livros chegarem na prateleira, bom, ninguém vai te conhecer, você ainda será um autor estreante. Mas e quem disse que você não pode fazer nada quanto a isso? Corre atrás, cria um nome. Divulga o seu trabalho em blogs, escreve no wattpad, manda uns contos pra ver se alguma revista te publica, faz vídeos no youtube, faz alguma coisa.
E, enquanto está fazendo tudo isso, estude. Leia muito, e não só ficção. Leia manuais de estilo, dá uma revisada em gramática (preciso dizer quão necessário é isso?), estude mitologia, estruturas narrativas, acompanhe blogs de escritores que você admira, pegue um livro bom por mês e disseque ele, entenda como funciona, o que faz o que. E escreva livros cada vez melhores. Não pare de tentar coisas novas.
No final de três anos, você vai ter escrito seis livros, ter alguns no forno, estar ativamente criando um nome para você, buscando amadurecer e escrever histórias cada vez melhores…
Profissionalismo e Persistência
E agora eu lhe pergunto. Qual brasileiro você conhece que está fazendo isso? São poucos, bem poucos, mas já há um movimento com essa ideia na cabeça.
É claro que isso leva tempo. Talvez criar seguidores demore. Talvez só o seu sexto livro seja bom. É difícil, sim, mas o que parece é que muita gente acha que é tão difícil que desiste sem ao menos tentar.
O Brasil não leva escritores a sério, mas o brasileiro não leva escrever a sério. O escritor tem que ser profissional. Tem que ser focado. Não pode desistir. Tem que ter visão a longo prazo. Eu conheci um sem fim de aspirantes a escritores na vida, e digo que a esmagadora maioria desiste antes mesmo de começar. Alguns até começam, mas veem as dificuldades e pulam fora. Vão ter um emprego de verdade, e esquecem a escrita. Não pegam um tempo das horas vagas para escrever.
Quando um empreendedor abre um negócio, ele faz isso já esperando que demore um pouco para que ele tenha lucro. Startups muitas vezes demoram anos para começarem a lucrar. É preciso de planejamento, principalmente financeiro, para segurar as pontas até que o trabalho comece a dar um bom retorno.
E agora, novamente, eu lhe pergunto: Por que abrir um negócio é válido e escrever não seria?